Fraternidade. Releitura civil de uma ideia que pode mudar o mundo FRATERNIDADE_MANIERI | Page 68
Maria Rosaria Manieri
O multiculturalismo inverte a perspectiva: o reconhecimento
está referido às diferentes identidades de grupos e a indivíduos
como membros de grupos que constituem as múltiplas comuni-
dades que habitam o espaço das sociedades contemporâneas.
A tolerância não se enquadra mais no processo de neutrali-
zação das diversidades, no âmbito de uma concepção procedi-
mental da justiça, mas numa nova descrição do laço entre liber-
dade individual e cultural de pertencimento, voltada para obter
a igualdade de grupos identitários diferentes.
Daí a pergunta: qual perspectiva o multiculturalismo abre
para as democracias ocidentais? Tal perspectiva está aquém ou
além da modernidade?
Respondendo a Taylor, Habermas defende a neutralidade
ética do direito e da política, conquista fundamental e irrenun-
ciável da modernidade, e relança o valor do universalismo da
moderna construção estatal como condição imprescindível
para políticas de inclusão que tornem o outro igual no plano
cívico. A universalidade da condição de cidadão é o pré-requi-
sito de qualquer política de reconhecimento que queira ser
concreta e eficaz. 62
O núcleo essencial da modernidade é a prioridade lógica e
axiológica do indivíduo sobre a comunidade, da identidade indi-
vidual sobre a identidade coletiva. Toda teoria que inverta os
termos da relação moderna entre indivíduo e coletividade, atri-
buindo de novo a prioridade desta sobre aquele, implica o risco
de se configurar como “uma teoria antimoderna, quando não
abertamente reacionária”. 63 Deste ponto de vista, o multicultu-
62 J. Habermas, Lotte di riconoscimento nello Stato democratico di diritto, in Haber-
mas e Taylor, Multiculturalismo, cit., p. 95.
63 M. Bovero, Prefácio a E. Vitale, Liberalismo e multiculturalismo. Una sfida per il
pensiero democratico, Roma-Bari, Laterza, 2000, p. XIII.
66