Fraternidade. Releitura civil de uma ideia que pode mudar o mundo FRATERNIDADE_MANIERI | Page 58

Maria Rosaria Manieri Segundo Hans Jonas, “a submissão da natureza orientada para a felicidade humana lançou, com seu sucesso desmedido, que agora também envolve a natureza do homem, o maior desafio que jamais proveio ao ser humano de seu próprio agir”. 39 Este desafio é o da responsabilidade, cujo primeiro imperativo categórico é fazer “com que haja uma humanidade”. 40 A nova forma do dever é: “Age de modo que as consequências de tua ação sejam compatíveis com a permanência de uma autêntica vida humana na Terra”. 41 O problema não é só o da sobrevivência física da humanidade, mas daquela ideia de humanidade que a todos nos reúne e em que todos nos reconhecemos. A ideia de humanidade autêntica tem tanto em Jonas quanto em Kant, com as devidas diferenças, 42 a liberdade como cifra identificadora e é a razão do respeito que os homens devem aos outros homens. Mas a responsabilidade, como a tolerância, só tem sentido na dimensão da fraternidade. Jonas nega explicitamente que a fraternidade possa constituir um paradigma para a ética do futuro, na medida em que a respon- sabilidade viria a ser falsificada pela reciprocidade: “A pergunta com que Caim replicava a Deus, que queria saber de Abel: ‘Por acaso sou o guardião de meu irmão?’, rechaça, não inteiramente sem fundamento – ele afirma –, a atribuição (fictícia) de uma 39 H. Jonas, Il principio di responsabilità. Un’etica per la civiltà tecnologica, Turim, Einaudi, 2020, p. XXVII. 40 Idem, p. 54. 41 Idem, p. 16; cf., também, P. Barcellona, P. Sorbi, M. Tronti e G. Vacca, Emergenza antropologica. Per una nuova alleanza tra credenti e non credenti, Milão, Guerini e Associati, 2012. 42 À diferença de Kant, o teórico da responsabilidade coloca o respeito à humanidade num contexto ontológico, baseando-o numa “metafísica racional” cuja possibilida- de afirma, “sob a condição de que o racional não seja definido exclusivamente com base nos critérios da ciência positiva” (Jonas, Il principio di responsabilità. Un’etica per la civiltà tecnologica, cit., p. 57). 56