Fraternidade. Releitura civil de uma ideia que pode mudar o mundo FRATERNIDADE_MANIERI | Page 50

Maria Rosaria Manieri A partir de Locke a tolerância se torna o traço distintivo de uma religião civil, respeitosa da diversidade dos indivíduos, de suas ideias e concepções de vida, de sua autonomia, que impõe a Estado e Igreja, cada um deles segundo suas tarefas, vínculos precisos. Nascida da reivindicação da necessária separação entre fé e política, através da constatação da pluralidade de fés e da varie- dade das concepções de vida boa, a tolerância perde o antigo significado de concessão-condescendência por parte do príncipe e assume o significado positivo de reconhecimento da liberdade de cada qual como direito subjetivo inalienável. 17 A luta pela tolerância marca todo o século XVIII e é um dos pontos fundamentais da discussão filosófica e política do Iluminismo. “Possam todos os homens lembrar-se de que são irmãos!” – invoca Voltaire na célebre “Oração a Deus”, que conclui o Tra- tado sobre a tolerância de 1763. 18 No Tratado, Voltaire propõe-se demonstrar, concretamente, o mal da intolerância e o absurdo de exterminarmo-nos “por parágrafos”. Se ela é própria dos tigres, a tolerância, ao contrário, é “o apanágio da humanidade”. Partindo do caso Calas, 19 o filósofo conduz uma reflexão uni- versal sobre a política, em que a tolerância é posta “como a pedra angular de uma ampla reforma política, social e econômica”. 20 17 Verbete “Tolerância”, in Dizionario filosofico, Turim, Einaudi, 1980, p. 414. 18 Voltaire, Trattato sulla tolleranza, Milão, Feltrinelli, 1995. Voltaire se torna o sím- bolo da batalha pela tolerância como batalha de liberdade no auge da discussão filosófica e política do século XVIII e da ação reformadora dos soberanos europeus. Para um exame da tolerância no pensamento político e filosófico de Voltaire, cf. M.L. Lanzillo, Voltaire. La politica della tolleranza, Roma-Bari, Laterza, 2000. 19 Trata-se do comerciante condenado à morte na Toulouse católica de 1762, acusado pelo fanatismo popular de ter matado o filho, que manifestara a intenção de se con- verter ao catolicismo. Depois da execução da pena capital, descobriu-se que Calas era inocente. 20 Lanzillo, Voltaire. La politica della tolleranza, cit., p. 113. 48