Fraternidade. Releitura civil de uma ideia que pode mudar o mundo FRATERNIDADE_MANIERI | Page 46

Maria Rosaria Manieri De fato, Estado e Igreja são sociedades tão completamente diversas “por sua origem, pelo fim que se propõem e por seus conteúdos”, que querer confundi-las é como querer “misturar o céu com a terra”. Distinguir fé e política, definir funções e limites da política, colocar a prática religiosa ao abrigo de interferências políticas e a política ao abrigo de ingerências eclesiásticas; valorizar a fé como livre e íntima adesão da consciência, que não pode ser imposta “por decreto” “porque nem mesmo Deus pode salvar quem não crê”, é o terreno laico moderno no qual amadurece a tolerância como virtude civil e dever da Igreja e do Estado, com a diferença de âmbitos e em nome do princípio de liberdade comum que está na base de ambos. O problema da tolerância, então, se torna o da construção do Estado inteiramente secularizado como condição de uma convivência civil aceitável. 8 Se no plano religioso a tolerância é sinal de caridade, como respeito à liberdade de consciência do indivíduo, no político ela é a ideia em torno da qual se constrói um novo modelo de espaço público no âmbito de um processo de secularização do laço polí- tico entre Estado e Igreja, em salvaguarda da liberdade de todo crente, do Estado e da própria Igreja. “O cuidado das almas” – diz Locke – não é tarefa do Estado, cujo poder consiste no direito de coação, ao passo que a força da fé está na graça divina e na persuasão. A coação é contrária ao fim mesmo da religião que, seja qual for o credo professado, con- siste na salvação das almas. Em matéria de fé, mas também, e mais em geral, de crenças e princípios práticos com os quais os homens pensam poder 8 Sobre este ponto, cf. L. Firpo, Il problema della tolleranza religiosa. Dalla Riforma protestante a Locke, Turim, Loescher, 1970, p. 11s. 44