Fraternidade. Releitura civil de uma ideia que pode mudar o mundo FRATERNIDADE_MANIERI | Page 44
Maria Rosaria Manieri
O traço distintivo da fé – argumenta Locke – não são os
ritos, as liturgias, os lugares de culto, o poder ou a autoridade.
Quem possui todas estas coisas, mas está destituído de “cari-
dade, mansuetude e benevolência em relação a todos os homens
indistintamente” ainda não é cristão. Os católicos podem se
vangloriar da antiguidade e do esplendor de seus edifícios de
culto; os protestantes, da doutrina reformada; todos, da orto-
doxia de sua fé; “pois bem, todas estas coisas, e outras do gênero,
podem ser sinais de que os homens disputam entre si mais o
poder e a autoridade do que os sinais da Igreja de Cristo”. 2
É a caridade que identifica a verdadeira Igreja e o autêntico
fiel. Sinal de caridade é “a tolerância em relação àqueles que têm
opiniões religiosas diversas”, a qual, por isso, “está tão de acordo
com o Evangelho e a razão, que parece monstruoso que os
homens sejam cegos diante de uma luz tão clara”. 3
A fé é um ato subjetivo que tem sua fonte na liberdade de
consciência do crente. De fato: “Seja lá o que professemos com os
lábios ou qual for o culto exterior que pratiquemos, se não esti-
vermos convencidos profundamente de que o que professamos é
verdade e o que praticamos agrada a Deus, não só nada disso
contribui para a salvação mas, antes, a dificulta”. 4
A tolerância, pois, é necessária para garantir a liberdade do
autêntico sentimento religioso, em referência ao qual o uso da
coação é tão ineficaz quanto danoso.
tolerância”, porém, é de 1667 (em apêndice a Lettera sulla tolleranza, cit.). Sobre a
situação histórica, cultural e política e sobre as discussões contemporâneas sobre a
“verdadeira Igreja”, cf. “Nota storica” de C.A. Viano, Lettera sulla tolleranza, cit., p.
XV-XXX.
2 Idem, p. 5.
3 Idem, p. 8.
4 Idem, p. 9.
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