Fraternidade. Releitura civil de uma ideia que pode mudar o mundo FRATERNIDADE_MANIERI | Page 43

III Tolerância e fraternidade O traço distintivo de uma religião civil A primeira declinação laico-moderna da fraternidade é a afirmação da tolerância como possibilidade de convivência de fés, morais e estilos de vida diversos numa única sociedade. O tema irrompe no debate cultural, filosófico e político no con- texto das dramáticas vicissitudes subsequentes à ruptura da uni- dade religiosa, em razão da Reforma protestante e das guerras de religião que ensanguentaram a Europa. Para John Locke, pai do liberalismo moderno, a tolerância se põe, em primeiro lugar, como problema religioso. A tolerância decorre da caridade. Este o incipit da Carta escrita, como se sabe, por volta de 1685, ano no qual Luiz XIV revoga o Edito de Nantes, que assinala a retomada da perseguição aos huguenotes. Dirigindo-se a seu interlocutor, o teólogo Limborch, ele escreve: “Uma vez que me pergunta o que penso da recíproca tolerância entre cristãos, respondo-lhe brevemente que ela me parece o sinal mais importante de reconhecimento de uma ver- dadeira Igreja”. 1 1 J. Locke, Lettera sulla tolleranza, Roma-Bari, Laterza, 2006, p. 4. À primeira Carta sobre a tolerância seguiram-se uma segunda e uma terceira, redigidas por Locke para responder às críticas que lhe foram dirigidas (J. Locke, Scritti sulla tolleran- za, Turim, Utet, 1977, respectivamente p. 185-270 e 271-740). O “Ensaio sobre a 41