Fraternidade. Releitura civil de uma ideia que pode mudar o mundo FRATERNIDADE_MANIERI | Page 42

Maria Rosaria Manieri
tios já podiam ser mestres ”. 17 O cristianismo vai além : sai dos recintos familiares , derruba barreiras e distinções mas também laços particulares , e traduz esta abertura como dever universal do exercício prático da caridade .
A caridade não é genérica philantropia , mas ajuda e assistência aos irmãos infelizes e necessitados , ainda que diferentes , porque todos feitos à imagem e semelhança de Deus e , ao mesmo tempo , criaturas finitas , expostas ao mal , ao sofrimento e à morte , a precisar , todos , da ajuda uns dos outros . O cristianismo abre-se à proximidade universal , recíproca e gratuita .
O traço universalista da fraternidade , sua desconexão da proximidade imediata , física e de pertencimento , é o legado precioso do cristianismo à modernidade .
A universalidade – afirma Kant – torna “ amável ” 18 o cristianismo à modernidade . Mas a universalidade também constitui o obstáculo no qual se experimenta e contra o qual muitas vezes se estilhaça a modernidade . Ela é , como diz Dostoievski , “ a principal pedra de tropeço do Ocidente ” cristão . 19
17 Idem , p . 91 .
18 A lição do cristianismo é a de amar os outros , todos os outros , e fazê-lo de boa vontade . Como religião universal , ele é amável no sentido de que se esforça “ para fazer amar o cumprimento do dever e o consegue , porque seu fundador não fala como déspota cuja vontade exige obediência , mas como amigo do homem ” ( E . Kant , La fine di tutte le cose , Turim , Bollati Boringhieri , 2006 ). A amabilidade como liberalidade é a característica sobre a qual , segundo Kant , o cristianismo construiu-se a si mesmo ( cf . L . Tundo , Kant . Utopia e senso della storia , Bari , Dedalo , 1998 , p . 15 ).
19 Das três bandeiras da Revolução Francesa , a da fraternidade é “ a mais curiosa e , deve-se reconhecê-lo , constituiu até hoje a principal pedra de tropeço do Ocidente . O homem ocidental , de fato , discorre sobre esta irmandade como uma grande força motriz da humanidade e não se dá conta de que a irmandade não poderá ser encontrada em parte alguma enquanto não existir na realidade . Na natureza francesa e , em geral , na ocidental , não se encontra irmandade ; encontra-se , ao contrário , o princípio pessoal , o princípio de restar por conta própria , da autoconservação intensiva , da autossuficiência , da autodeterminação do próprio eu pessoal , da contraposição deste Eu à natureza inteira e a toda a humanidade restante ” ( F . M . Dostoievski , Note invernali su impressioni estive , Roma , Riuniti , 1984 , p . 71-73 ).
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