Fraternidade. Releitura civil de uma ideia que pode mudar o mundo FRATERNIDADE_MANIERI | Page 40
Maria Rosaria Manieri
Portanto, a novidade do cristianismo e, ao mesmo tempo,
seu alcance revolucionário em relação à comunidade histórica
não consistem no mandamento do amor ao próximo, mas sim
em sua concretude e universalização. A concretude se manifesta
na denúncia que a parábola realiza da fraternidade proclamada,
mas não vivida, do sacerdote e do levita, que diante do irmão
necessitado seguem adiante, comparada com aquela ativa do
Samaritano. A universalidade se apreende na recusa de toda
concepção que encerre a fraternidade na lógica estreita do clã
tribal e familiar, da seita religiosa ou da referência genérica ao
sentimento abstrato de um pertencimento comum; portanto, no
abandono de qualquer fator ligado a circunstâncias histórico-
-empíricas e particulares.
Na perspectiva cristã, deve-se amar todo ser humano, ainda
que inimigo ou indivíduo fisicamente repugnante, como o
leproso, ou pecador, como Madalena. A obrigação do amor não
conhece limites ou distinções quer de raça, povos, nações, estado
social, quer de fé ou de boas ou más qualidades.
Esta universalidade é a novidade e o escândalo do manda-
mento evangélico e é o que inova profundamente a noção de
fraternidade, tanto em relação à tradição greco-helenista quanto
à hebraico-judaica. 13 Ela assinala uma ruptura, substancial e
profunda, com toda concepção das relações entre os homens
baseadas em vínculos de sangue ou de amizade: a fratria ou a
file. Com o prevalecimento do cristianismo – afirma Nicola
Abbagnano –, a importância da amizade decai na literatura filo-
sófica, substituída pelo conceito, mais amplo e mais importante,
do amor ao próximo. Mas, à diferença da amizade, o amor
cristão ao próximo “não conta com os traços seletivos e especí-
ficos que Aristóteles reconhecera à amizade. De fato, ‘próximo’ é
13 G. Savagnone, Fraternità e comunicazione, in Baggio (org.), Il principio dimentica-
to, cit., p. 110-115.
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