Fraternidade. Releitura civil de uma ideia que pode mudar o mundo FRATERNIDADE_MANIERI | Page 36
Maria Rosaria Manieri
cada um de nós, o mistério da salvação amadurecerá nas trevas
que só a morte poderá dissipar”. 6
Agir justamente significa, antes de tudo, mundare quod
intus est; mas ser interiormente puro diante da lei impõe não
julgar irmãos e irmãs, porque, postos face a face com Deus,
todos os homens se revelam igualmente indignos, igualmente
pecadores: Qui sine peccato est vestrum in illam lapidem mittat
(João 8, 7).
A justiça, portanto, diz respeito mais à qualidade da relação
que o homem estabelece com Deus do que a uma relação dos
homens entre si. Por isso, segundo Tomás de Aquino, a caridade
é a primeira entre todas as virtudes na medida em que seu objeto
é mais amplo do que o de qualquer outra virtude, compreen-
dendo na relação com Deus também aquela com os irmãos. Ela
expressa a totalidade da perfeição ética porque é sempre através
de Deus que o cristão alcança o outro e é em Deus que ele des-
cobre o valor do outro e se comunica com ele.
É desta justiça que se deve ter fome e sede porque é ela que
conduz à meta: a religação com o Pai, a beatitude celeste.
A dimensão escatológica, na qual se situa a ética cristã, projeta a
caridade e a justiça num horizonte que nada tem a ver com a
ordem deste mundo. Aqui tudo é vaidade e nada. Nenhuma das
intenções da caridade diz respeito ao temporal.
A ética cristã do mútuo amor está além da política. Seus
comandos não são em si contrários ao agir político; de fato,
sequer estão no mesmo plano dos princípios que inspiram a ação
política, simplesmente são de natureza diversa. Dilige et fac quod
vis é uma exortação de Santo Agostinho (Io. Ep. tr. 7, 8), porque
aquele que é guiado pela caridade nas relações com os outros é
guiado por Deus, de quem só pode vir o bem.
6 F. Mauriac, Vita di Gesù, Milão, Mondadori, 1966, p. 63.
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