Fraternidade. Releitura civil de uma ideia que pode mudar o mundo FRATERNIDADE_MANIERI | Page 32
Maria Rosaria Manieri
Uma espécie de familiaridade liga entre si os membros destas
comunidades, em que a relação pessoal é inevitável e a vida de
cada qual se desenvolve num palco comum. Por vínculos de
parentesco, origem e experiência comuns, por interesse e por
simbiose, cada qual está profundamente envolvido na vida dos
outros e as relações comportam sempre, de certo modo, um
envolvimento afetivo e emocional. 2 É nesta comunidade-família
que o termo “próximo”, superlativo de prope, tem preciso valor
semântico e carga emocional, indicando vizinhança e pertenci-
mento não só físico, mas também moral.
O ideal cristão da fraternidade toma como modelo o amor de
genitores e irmãos e o eleva, acima dos círculos particulares e
empíricos, a lei da comunidade dos homens, filhos do mesmo Pai.
O mesmo vínculo pessoal de pertencimento-fidelidade-pro-
teção existe entre os membros da família natural e os compo-
nentes individuais da grande família de Deus; só que, nesta, ele se
eleva acima da natureza, perde o componente biológico e geográ-
fico e torna-se vínculo supranatural dos homens entre si. Não
importa se gentios ou hebreus, homens ou mulheres, Cristo, o
grande irmão, vem ao mundo testemunhar o amor do Pai comum,
de que tudo e todos dependem, e anuncia uma relação de sangue
originária, princípio, diríamos, de nova Gemeinschaft.
A dependência de Deus Pai define a humanidade como tal
e quem quisesse rompê-la desarranjaria a ordem mesma do
criado; não seria mais homem, mas Lúcifer, que, em sua soberba,
quis ser igual a Deus.
e o Renascimento mesmo quando a estrutura social mudara profundamente (cf. P.
Goubert, L’Ancien régime, Milão, Jaca Book, 1999).
2 A familiaridade se verifica mesmo entre classes diversas. O próprio senhor está
profundamente envolvido na vida de seus subordinados. Ele participa das mesmas
festas, funções religiosas e jogos; tem os mesmos hábitos públicos e privados (cf. M.
Bloch, La società feudale, Turim, Einaudi, 1999).
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