Fraternidade. Releitura civil de uma ideia que pode mudar o mundo FRATERNIDADE_MANIERI | Page 31

II A fraternidade e seu fundamento religioso Um ideal de perfeição moral A ética da caridade marca as sociedades cristãs antigas assim como a do direito marca as sociedades liberais modernas. O imperativo cristão do amor ao próximo é a universali- zação do afeto que se deve aos irmãos numa comunidade pen- sada e estruturada como família, sobre a qual se estende a potes- tade de Deus. É nesta comunidade, entendida como círculo familiar, que o amor ao próximo eleva-se a regra fundamental e permeia, como estrutura psicológica e também metafísica e reli- giosa, um sistema social que tem a família como o verdadeiro eixo de sustentação. Este sistema é típico das sociedades arcaicas e antigas, caracterizadas por pequenas dimensões e, em certos limites, por estabilidade, marcadas por um tempo e um espaço nos quais a existência transcorre num círculo de faces familiares e numa comunhão de vida e trabalho própria da família de outrora. 1 1 Cf. P. Laslett, Il mondo che abbiamo perduto. L’Inghilterra prima dell’età industriale, Milão, Jaca Book, 1997. Ao fator de caráter geográfico, o simples dado de todos estarem juntos num único lugar, somava-se toda aquela série de vínculos que se formam entre os seres humanos quando vivem por longo tempo em estreito con- tato de vizinhança: os vínculos de matrimônio e parentesco, de origem e experiên- cia comuns, de amizade e colaboração em questões de interesse geral. O arquétipo desta família se conservou até a revolução industrial, atravessando o Ancien régime 29