Fraternidade. Releitura civil de uma ideia que pode mudar o mundo FRATERNIDADE_MANIERI | Page 19

Fraternidade. Releitura civil de uma ideia que pode mudar o mundo Apreendemos tal exigência na vontade de comunidade pro- duzida pela corrosão dos Estados centralizados, na preocupante perda de sentido da ética pública, na crise da representação polí- tica democrática e, por fim, no ato de acusação indiscriminado contra o Estado social, que coloca a urgência de novos nexos entre os cidadãos, sexos e gerações, sob o signo de nova síntese histórica entre liberdade e igualdade. Observamos a mesma exigência nas transformações do mundo do trabalho, em que cada vez mais frágil é o laço de coo- peração e solidariedade entre os trabalhadores, para os quais a obtenção individual de objetivos, estabelecidos pela produção, desencadeia ritmos e formas de competição inteiramente des- preocupadas com quem, não certamente por demérito próprio, ficando para trás, resta esmagado ou expulso. Podemos percebê-la no enfraquecimento de nossas identi- dades e culturas tradicionais, a que não se pode pensar em reagir alimentando neofundamentalismos fonte de conflitos que, tendo a ver com “a gramática da vida”, segundo incisiva expressão de Jürgen Habermas, não são reguláveis através dos meios com que tradicionalmente se enfrentam os demais conflitos. Podemos senti-la, por fim, nos efeitos que em nossa vida cotidiana estão produzindo as gigantescas transformações indu- zidas pelos processos de globalização, na dependência de todos em face de tudo, no rosto de nossas cidades cada vez mais híbridas, com problemas evidentes de coabitação e o recrudesci- mento de formas de rejeição, intolerância e racismo. Na tragédia de milhões de seres humanos que escapam da insustentável miséria de seus países, todos os dias tocamos com as mãos no déficit de visão de uma política que perdeu a própria vocação, que desde a origem foi a de remediar a falta de fraterni- dade; de uma política com horizontes restritos, cujos espaços 17