Fraternidade. Releitura civil de uma ideia que pode mudar o mundo FRATERNIDADE_MANIERI | Page 137
Fraternidade. Releitura civil de uma ideia que pode mudar o mundo
mundo com aqueles que o desejam? Para Cabet, isto é a quadratura
do círculo. Para construir Icária, precisa-se de homens d’ordre et
de fraternité, que só Icária poderá educar. Aqueles que aspiram a
fundá-la, ao contrário, são homens de desordre et de combat, revo-
lucionários que o velho mundo fez à sua imagem e semelhança. 62
Afinal de contas, da teoria política marxiana, apesar de pôr
no centro a realização universal da sociedade dos irmãos, o que
resta é a redução da fraternidade à única dimensão possível, a da
fraternidade de classe.
Escapa a Marx que a solidariedade operária e suas institui-
ções de representação podem também ser os instrumentos de
integração das massas operárias ao sistema político nacional.
Ele subestima as potencialidades dos princípios burgueses de
liberdade, igualdade e fraternidade como fatores de emanci-
pação e transformação social. 63 No entanto, foi justamente este
efeito não previsto que se verificou historicamente na maior
parte dos países industrializados. 64 A história da emancipação
dos trabalhadores é história de direitos, de demandas de reco-
nhecimento, de tratamento humano decente.
Em vez disso, a pretensão de mutação antropológica, de
metanoia, inerente à teoria política marxiana, voltada para criar
o homem novo, o indivíduo fraterno, é o que afinal reduz a pro-
posta política de Marx a “uma ideologia semirreligiosa do movi-
mento operário”. 65
O comunismo é a última grande tentação do Ocidente: o
sonho de uma comunidade que se baseia numa humanidade
melhor. Mas nada nos assegura racionalmente que virá um
62 Rancière, Le philosophe et ses pauvres, cit., p. 125.
63 Martinelli, I principi della Rivoluzione francese e la società moderna, in Martinelli,
Salvati e Veca, Progetto 89. Tre saggi su libertà eguaglianza fraternità, cit., p. 81.
64 Ibidem.
65 C. Preve, Marx inattuale. Eredità e prospettive, Turim, Bollati Boringhieri, 2004.
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