Fraternidade. Releitura civil de uma ideia que pode mudar o mundo FRATERNIDADE_MANIERI | Page 116
Maria Rosaria Manieri
que a produção de mercadorias e a valorização do dinheiro são
fins em si mesmos. Antes, estamos de tal modo imersos nas
formas de existência capitalistas que não conseguimos mais
imaginar um mundo alternativo: “possibilidade que, a rigor,
existia antes da queda do Muro de Berlim, quando ainda não
implodira a União Soviética, a qual – embora culpada por ter
gerado novas e execráveis formas de submissão em lugar da
emancipação universal que prometera – representou por quase
um século um modelo diferente, uma possibilidade diversa, um
ponto de vista alternativo ao modo de produção capitalista”. 9
A queda do Muro de Berlim, sob muitos aspectos, é o
emblema do fracasso histórico dos sistemas políticos que, de
modo variado, referiam-se ao marxismo, de sorte que sua desa-
gregação foi considerada como prova irrefutável do fracasso teó-
rico de Marx, da superação de suas categorias políticas, inteira-
mente inadequadas à realidade de hoje. Mas – observa Jacques
Derrida – a insistência na “morte de Marx” parece esconder,
sobretudo, uma espécie de exorcismo voltado para “afastar um
espectro”, “um fantasma que continua a falar” e “a incomodar”. 10
Tal como o espectro de Hamlet, também o de Marx continua a
denunciar sem trégua um mundo em que “há algo podre”, mos-
trando a esperança de “algo melhor” ainda por vir.
A crítica radical do presente e a esperança num futuro dife-
rente e melhor constituem os pontos essenciais do pensamento
marxiano e, observando-se bem, são dois espectros que, apesar
de sua radical diversidade, caminham pari passu: temos espe-
9 D. Fusaro, Bentornato Marx!, Milão, Bompiani, 2009/2010, p. 13. Cf., também, W.
Brown (La politica fuori dalla storia, Roma-Bari, Laterza, 2012, p. 14): “O colapso
global do comunismo no final dos anos oitenta eliminou outro termo de compara-
ção crucial para a identidade do liberalismo, cancelando literalmente o oposto em
relação ao qual a liberdade liberal contemporânea podia ser imaginada”.
10 J. Derrida, Spettri di Marx, Milão, Cortina, 1994, p. 124. Cf., também, M. Musto,
Sulle tracce di un fantasma, Roma, Manifestolibri, 2005.
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