Fraternidade. Releitura civil de uma ideia que pode mudar o mundo FRATERNIDADE_MANIERI | Page 111

Fraternidade. Releitura civil de uma ideia que pode mudar o mundo tanto, instrumento poderoso de dessacralização de toda socie- dade histórica que pretenda ser comunidade ideal, ainda quando, na figura do citoyen, perceba-se a ausência ou a redução do homme. Sob este aspecto, a filosofia kantiana constitui verdadei- ramente uma das mais diligentes e poderosas defesas teóricas do sentimento da liberdade contra os atentados que recebe tanto do totalitarismo quanto do individualismo. O formalismo da lei kantiana não quer ser nada mais do que o princípio formal de uma legislação universal capaz de ins- tituir uma ordem política a partir de posições individualistas, ou seja, de posições de seres autônomos, autores de valores e fins em si mesmos. Foi Vorländer quem sublinhou como precisa- mente “da qualidade que habitualmente se atribui à lei moral kantiana como defeito, isto é, de seu caráter formal, deriva, ao contrário, a mais rica, incomensurável fecundidade”. 70 Se todos os valores se tornam tais por livres atos dos homens e se chamam valores só nesta condição, não há valor mais alto do que o homem. Portanto, imoral e injusta é toda ordem que se pre- tenda instituir entre os homens, negando nela o que os torna tais. Deste ponto de vista a fraternidade, como a liberdade, é ao mesmo tempo valor da moral e problema da política: “O próprio conceito de dependência jurídica institui uma ponte entre a moral e a política: a fraternidade, de fato, restaria um conceito desejado moralisticamente se não se determinasse como modo jurídico concreto pelo qual se realiza historicamente na sociedade”. 71 O princípio da dependência jurídica arrasta a fraternidade para o terreno da efetividade: a tarefa de realizá-la é confiada ao homem. 70 Vorländer, Kant e il socialismo, in E. Agazzi (org.), Marxismo ed etica, cit., p. 76. 71 Negri, Schiller e la morale di Kant, cit., p. 181. 109