Fraternidade. Releitura civil de uma ideia que pode mudar o mundo FRATERNIDADE_MANIERI | Page 106

Maria Rosaria Manieri Pondo-se em sua fundação como antroponomia, a ética kantiana, segundo Cohen, abre “para o sumo bem a perspectiva de se demonstrar como um sumo bem ‘político’”. 59 Portanto, a fraternidade, como princípio da razão pura prá- tica e imperativo da moral, é problema da prática política. Antes, é justamente a consciência dos obstáculos e das resistências que ela encontra, no terreno da política, que leva Kant a uma nova problematização da lei, partindo do pressuposto de que cumprir o próprio dever em relação aos outros é algo sempre de algum modo ligado “a uma violência inevitável que é feita a todas as inclinações”, ainda que unicamente “por meio da própria razão”. A possibilidade de existência de uma boa vida política e social, que efetive a fraternidade no âmbito da justiça, decorre da capacidade de construir uma sólida hegemonia da razão sobre os egoísmos e as paixões. É o problema de Platão, o qual, no entanto, confiou este projeto aos governantes-filósofos como os únicos possuidores da compreensão racional da condição humana na natureza, chegando assim – observa Dunn – a “con- clusões políticas despudoradamente elitistas”. 60 Para Kant, ao contrário, a virtude de compreender o bem e de agir para o bem não é mais monopólio do filósofo governante nem de indivíduos ou grupos, mas de todo ser racional, desde que saiba e queira ser fim em si mesmo, isto é, vontade boa, razão pura prática. Neste sentido, a moral kantiana é legitimamente igualitária e democrática. Ao mesmo tempo, distingue-se nítida e explicita- mente de todo ascetismo antigo e aspira à mundanidade e à modernidade. Seu rigorismo não nasce de uma desvalorização 59 Idem, p. 330. 60 Cf. J. Dunn, Il mito degli eguali. La lunga storia della democrazia, Milão, Università Bocconi, 2005. 104