Fraternidade. Releitura civil de uma ideia que pode mudar o mundo FRATERNIDADE_MANIERI | Page 100
Maria Rosaria Manieri
cial, são obrigados a se comportarem passivamente para esperar
que o chefe de Estado julgue de que modo eles devem ser felizes,
e só esperar de sua bondade que ele o queira, é o pior despotismo
que se possa imaginar”. 48
A ordem que Kant tem em vista como a mais adequada às
necessidades postas pela modernidade é assegurada por uma
constituição civil, fruto da razão pura prática, em cujo âmbito a
liberdade tende a resolver-se no respeito a um princípio pelo
qual a coação se torna intrínseca e a lei se apresenta como direito
(defesa da liberdade externa do indivíduo) e como dever (res-
peito à liberdade dos outros indivíduos).
Situado no plano dos princípios reguladores da convivência
civil, o mandamento do amor ao próximo se concretiza na
observação coativa de direitos e deveres, no quadro de um sis-
tema social cuja questão fundamental não é a da solidariedade
fraterna, mas a da justiça.
A preeminência de tal questão é ditada pela necessidade
inteiramente moderna do indivíduo emancipado de conservar
a própria existência particular e manter, numa relação recí-
proca de relativa independência, o poder de livre vontade, pró-
prio de cada qual, em presença do poder de livre vontade
alheio. Ela nasce, portanto, “na confluência desta livre afir-
mação do indivíduo e deste reconhecimento da universalidade
necessária das relações humanas, que é o próprio homem, seu
poder de razão combinado com seu poder de liberdade”, 49
como exigência de uma ordem de relações civis que seres
capazes de liberdade e razão estabelecem segundo leis que
emanam de sua vontade mesma.
48 Kant, Sopra il detto comune, cit., p. 255.
49 R. Polin, Etica e politica, Milão, Giuffrè, 1985, p. 165.
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