Calma penada
ainda assim, devia ter percebido, eu bem reparei que andava
estranha mas, aparentemente, não seria estranha o suficiente
para eu a ter abordado, a verdade é que não me queria estar
a chatear com isso.
*
Chego à esquina da minha rua e espero um pouco. Vim
por um caminho que não costumo percorrer, e agora, aqui,
na esquina, a respiração mantém-se ofegante, como se o
presente fosse sempre a subir. Vou dando passos para trás e
para a frente, temo que, ao virar a esquina, não possa mais
voltar atrás e a ordem, a ordem de tudo, seja destruída de
forma retumbante. Decido avançar até à porta do prédio, um
mastodonte de madeira e ferro forjado, tão alta como
barulhenta, chia os estertores de mil mortos a cada abertura
ou fecho. Tiro a chave do bolso e rodo-a com o maior
cuidado e, com a ajuda do corpo, empurro a porta com o
menor barulho possível, deixando-me frente a frente com a
escadaria de madeira. Dois andares, nunca contei o número
de degraus, não o farei hoje. Paro em frente à porta e encosto
o meu ouvido e ouço apenas o meu coração. A chave está na
fechadura, volto a respirar fundo e abro a porta e sou
recebido pelo silêncio do princípio de tarde, o sol nas
cortinas da sala, os pássaros a cantar na marquise, um ou
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