Detectives Selvagens 2- Medo | Page 83

Calma penada Disparo porta fora, o céu parece roxo agora, estou em choque: porque é que ela me escondeu que já não trabalha aqui? Está desempregada? Mudou de emprego? Porque não me contou? E se não está aqui, onde está? Onde passa os dias? Sinto o ar a cair aos meus pés, com os pulmões a seguirem-no, a puxarem-me as entranhas, recomponho-me, tento pensar, tento parar, mas o meu corpo dispara em passo apressado, vou voltar a casa, não, não tenho chave, vou para casa da mãe dela, à hora que chegar já ela lá está com as miúdas. * Há aquelas pessoas que não se recordam de pedaços do trajecto diário, quando conduzem, parece que o carro anda sozinho, afirmam, eu, sinto o mesmo em relação a este dia e, no geral, à minha vida, sou um condutor desatento, era uma questão de tempo até falhar uma curva, passar um sinal vermelho, atropelar um peão, peão esse que, ironicamente, sou eu. Chego à porta, recomponho-me o melhor que consigo e bato duas vezes. Ninguém abre, posso jurar que ouvi vozes. Ouço a janela a abrir e a cabeça da minha sogra aparece na janela. António? 83