Detectives Selvagens 2- Medo | Page 81

Calma penada a cada passo vou retalhando a minha força e deixando o receio crescer e tomar forma dentro da minha cabeça, da minha alma, o arrependimento tem garras e eu sinto-as em cada centímetro, como é que me levantei sem o casaco, como é que me esqueci de tocar no bolso de dentro, o que é que estava dentro daquele envelope, e se era o dinheiro da indemnização, que estupidez, quanto muito seria um cheque, mas o envelope era pesado e ela insistiu em que o abrisse, e se eles estivessem a comprar o meu silêncio, e se ali estava o meu sustento nos próximos tempos, a chave de casa também lá estava no bolso, e agora, como é que explico isto a ela, ter de lhe pedir a chave e vinte e cinco escudos para o café? * Número quarenta e quatro, cheguei, respiro fundo, o céu parece-me lilás, os óculos escuros ficaram em casa, acho eu, espero eu, toco à porta e esta abre automaticamente, não conheço a porteira, não quero subir, prefiro que a chamem e que ela desça para falarmos a sós. Bom dia, gostaria de falar com a Conceição, por favor. Peço desculpa, Conceição, não conheço… Não conhece? Peço desculpa, senhor, trabalho aqui há pouco tempo, deixe-me ligar para cima e perguntar, peço desculpa novamente. 81