Da perda
Morando inclusivamente no mesmo quarteirão, a
proximidade entre todos sempre foi grande. As bases da
minha família eram fortes.
Há um provérbio popular que reza "Quem tem
saúde de ferro, pode um dia enferrujar". Independentemente
do sucesso do percurso de cada um, o infortúnio calha a
todos. Somos todos criaturas frágeis, sujeitos a sucumbir a
um mal qualquer que apareça de surpresa.
Ao meu tio calhou-lhe uma perfuração nos
intestinos. Foi disso que faleceu, não sem antes ter passado
por vários episódios críticos, que o deixavam num torpor
autista, responsabilidade das úlceras nervosas que foi
coleccionando.
Era a noite já bastante avançada quando fui
acordado com um sonoro grito. Um grito de mais profundo
desespero, de um extravasar de emoções tão intenso que
geraria um vazio incapaz de ser preenchido durante largos
anos. Não precisei que me dissessem o que tinha acontecido.
Seguiram-se os procedimentos habituais nestas
situações. Lembro-me de, ao confortarmos a minha tia, ela
dizer algo como “Ainda ontem ele me prometeu que ainda
íamos lá...”. Na televisão dava a novela “Rei do Gado”. Os
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