Detectives Selvagens 2- Medo | Page 66

a.l.p. acalmá-la e disse-lhe que eventualmente ele terá de sair um dia, para ir ao médico, para tomar as vacinas ou quando entrar para a faculdade. Ignorou a minha piada virando a cara para a janela, o olhar vazio e o caudal de lágrimas constante. Perguntei-lhe então se achava que estava deprimida. Perdido por cem perdido por mil, não é? Errado. Soltou uma risada de desprezo, como se eu tivesse dito algo completamente absurdo, largou um “claro que não” e virou-me as costas. Não tive coragem para lhe perguntar mais nada nessa noite. Meteu-se no quarto com o miúdo e não quis sair nem para jantar. Comi em pé, sozinho na cozinha, dois ovos mexidos e um pacote de batatas fritas. Metade foi parar ao lixo. # Desde que o meu filho nasceu já o imaginei a morrer de todas as maneiras possíveis. É involuntário, incontrolável e inevitável. Qualquer situação banal consegue desencadear na minha cabeça uma sequência extraordinariamente vívida de toda a espécie de desgraças. As escadas, a piscina, o camião do lixo, a fritadeira. Já imaginei o meu filho com o corpo todo queimado, o crânio esmagado, o corpo paralisado, vejo-o inchado, afogado, cego, surdo e amputado. Vejo nitidamente o sangue a escorrer-lhe pela cara minúscula, uma quantidade absurda de sangue para um corpo tão pequeno. 66