a.l.p.
acalmá-la e disse-lhe que eventualmente ele terá de sair um
dia, para ir ao médico, para tomar as vacinas ou quando
entrar para a faculdade. Ignorou a minha piada virando a
cara para a janela, o olhar vazio e o caudal de lágrimas
constante.
Perguntei-lhe
então
se
achava
que
estava
deprimida. Perdido por cem perdido por mil, não é? Errado.
Soltou uma risada de desprezo, como se eu tivesse dito algo
completamente absurdo, largou um “claro que não” e virou-me as costas. Não tive coragem para lhe perguntar mais
nada nessa noite. Meteu-se no quarto com o miúdo e não
quis sair nem para jantar. Comi em pé, sozinho na cozinha,
dois ovos mexidos e um pacote de batatas fritas. Metade foi
parar ao lixo.
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Desde que o meu filho nasceu já o imaginei a morrer de
todas as maneiras possíveis. É involuntário, incontrolável e
inevitável. Qualquer situação banal consegue desencadear na
minha cabeça uma sequência extraordinariamente vívida de
toda a espécie de desgraças. As escadas, a piscina, o camião
do lixo, a fritadeira. Já imaginei o meu filho com o corpo
todo queimado, o crânio esmagado, o corpo paralisado, vejo-o inchado, afogado, cego, surdo e amputado. Vejo
nitidamente o sangue a escorrer-lhe pela cara minúscula, uma
quantidade absurda de sangue para um corpo tão pequeno.
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