A fissura e o osso
Acabei a última garrafa há um par de horas. Ao invés
de me fazer colapsar, levou–me de mão dada pelas entranhas
do delírio. E que delírio, meu caro amigo. Passei por todos os
deuses e os seus pagens, por todos os demónios e as suas
fobias, por todos os homens bons afogados na sua ignorância
e todas as mulheres nuas de pudor. Vi todas as realidades
numa única sala, com os seus acessórios sentados a um canto
e todas as mentiras algumas vez inventadas a espreitar a
tarde soalheira.
Tenho frio. Um frio tão intenso que nos gelou do cerne
à superfície. Um raio de luz acaba de pousar em cima da
mesa da cozinha, um esguicho de mijo em estado gasoso.
Consigo imaginar Deus, (escolha aquele que quiser) de
pernas escancaradas e costas arqueadas, a mandar um arco
divino e fétido sobre a cabeça da Humanidade, um baptismo
dourado.
Ouço passos à porta. Espero que não seja o carteiro.
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