A fissura e o osso
a uma linguagem codificada que deixaria Morse orgulhoso.
Se ainda vou a meio da segunda garrafa, os ruídos que me
chegam dos joelhos parecem–me apelos sofridos à submissão.
Já os cotovelos me parecem mais combativos, desafiadores.
Mas o pior de tudo são os pulsos e os nós dos dedos. De tão
periféricos tornam–se marginais, sanguinários, sedentos de
caos e de um permanente estado de emergência.
Vou servir–me um último copo. Estou a tentar cortar,
sabe?
Dia 3
Meu caro amigo, ignore a provável incoerência destas
linhas, mas de facto escrevo–lhe num estado de profunda
agitação. Nada me faz agora duvidar que há alguém, ou
algo,
instalado
dentro
do
meu
esqueleto
e
que
constantemente tenta comunicar comigo. Se está a pensar na
parábola do Jeckyl e do Hyde, desengane–se. Tudo isto não
tem absolutamente nada a ver com o bem e o mal, ou pelo
menos nessa assumpção simplista que lhes damos. Apesar de
infinitamente diferentes, ambos gozavam da mesma génese e
este não é o caso. Eu e o que quer que seja que se manifesta
dentro de mim nada temos em comum, excepto talvez o
habitáculo.
Mas espere, talvez não seja ele que está dentro de mim,
mas sim eu que me colei a ele, uma espécie de egocentrismo
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