Detectives Selvagens 2- Medo | Page 10

Tiago côrte-real mesmos. Apareceram–me à porta dois agentes novatos, daqueles que sentem a Lei como um ser mutável . Para além de uma passividade irritante, queriam por força entrar em minha casa, coisa que lhes neguei veemente. Para lhe ser honesto, a farda sempre me incutiu mais desconfiança que respeito. A autoridade está ali para reprimir e não proteger e quem pensar o contrário é um idiota. Enfim, da minha porta entreaberta lá dei todas a informações que me pediram, mas creio que pouco ou nada posso esperar. Do último degrau das minhas escadas, um deles lançou em forma de aviso que iriam verificar a veracidade da denúncia, e que se eu sabia que falsos alarmes traziam consequências. Ao que parece, de vítima passei a perpetrador, uma qualquer personagem imaginada por Kafka, a ser julgado por desconhecidos num tribunal improvisado num vão de escada, executado por carrascos que de dia são alfaiates e de noite parceiros de negócio de Caronte. Apesar de cobarde, confesso que não viraria a cara a uma descida do pano desse tipo. Se ao menos as minhas articulações me deixassem pensar. Este ribombar começa a dilatar–me as têmporas. Mistura–se com o batimento cardíaco, num ritmo bip bopeado alucinante e, começo a temer, demente. Por vezes, se fora da minha janela o mundo estiver em silêncio, sou capaz de jurar que a ausência total de cartilagem deu origem 10