Detectives Selvagens 1 - Setembro 2014 | Page 94

Marco Martins comuns. Chegava a "casa", de rosto fechado e tudo o que lhe apetecia era despir a sua alma, colocá-la num cabide bem alto e desprezá-la, tornar-se nu, insensível, imoral e nessas condicionantes passear-se, sem noção, pelos seus cantos apenas com o seu corpo. A vida nesses momentos tornar-seia mais ligeira, suave, menos pensada, esquematizada, concreta e, de certa forma, aproximava-se do seu desejo fugaz de libertar-se de si próprio, do pensar, do refletir acerca das teorias consecutivas que só serviam para o seu córtex cerebral disparar, entrar em colapso e convulsionar uma maré de idealismos antagônicos. Havia nesses dias uma sensação contundente de um profundo incompleto, no seu limite a frequência obtida tinha espectros duvidosos e, nesses momentos, sentia-se a afogar na maré que enfurecida ainda crescia volumosa até a preia-mar. Sem forças para vir ao cimo, sem razão persistente, seria pertinente que nesses momentos aquele corpo com réstias de alma ganhasse a vontade de lutar pela sua sobrevivência, reagindo impacientemente, lutando sofregamente, acima de tudo, mantendo-se estável, recolhendo algum bom senso, pescando em alto mar algumas palavras revitalizantes. A sua criação estava carregada de fracasso, chegou à conclusão que o sonho não lhe bastava, o espectro era irreal, as palavras eram só suas, os pensamentos continuavam a formular o seu vendaval, a sua tempestade e voltava ao princípio de tudo, à 94