MENSTAP OU A CERTEZA DO ACASO
marcas que a vida lhes deixou e para onde se dirigiam.
Lembrou–se das loucas ambições do pai, que ele explicava
detalhadamente uma e outra vez enquanto comia o rabo do
peixe que lhe cabia. A fazenda de criacção de gado a Sul de
Assab, a casa de férias em Maçuá e o primeiro supermercado
em Keren, a cidade que o viu nascer há pouco mais de meio
século. Agora que pensava nisso, Menstap viu nas febris
debitações do pai uma forma de redirecionar a sua atenção e
a dos seus irmãos para temas mais etéreos, fazendo–os
esquecer por algum tempo sensações fisiológicas menos
agradáveis.
Mas o dia corria depressa e alguma coisa tinha que ser
feita. Ajustou o capuz do casaco, puxou as duas mangas até
tapar as mãos e seguiu pela rua abaixo. Espreitou por uma
janela baixa semi–aberta, agitou com o pé o espelho de água
que lhe mostrava aquele perfil estranho, esquivou um carro
em andamento acelerado e chegou finalmente à pequena
praça onde desbocavam três ruas diferentes. A praça estava
deserta, como seria de esperar com aquele tempo. Só uma
das portas estava aberta. O edifício tinha sido ocupado há
pouco por uma corrente religiosa. Menstap ainda não sabia
qual, mas talvez fosse altura de saber. Pelo menos
curiosidade ainda tinha. Olhou em volta por uns momentos e
atravessou a praça, parando em frente aos degraus que
levavam à porta e à porta que levava à salvação. Lá de
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