Detectives Selvagens 1 - Setembro 2014 | Page 89

MENSTAP OU A CERTEZA DO ACASO marcas que a vida lhes deixou e para onde se dirigiam. Lembrou–se das loucas ambições do pai, que ele explicava detalhadamente uma e outra vez enquanto comia o rabo do peixe que lhe cabia. A fazenda de criacção de gado a Sul de Assab, a casa de férias em Maçuá e o primeiro supermercado em Keren, a cidade que o viu nascer há pouco mais de meio século. Agora que pensava nisso, Menstap viu nas febris debitações do pai uma forma de redirecionar a sua atenção e a dos seus irmãos para temas mais etéreos, fazendo–os esquecer por algum tempo sensações fisiológicas menos agradáveis. Mas o dia corria depressa e alguma coisa tinha que ser feita. Ajustou o capuz do casaco, puxou as duas mangas até tapar as mãos e seguiu pela rua abaixo. Espreitou por uma janela baixa semi–aberta, agitou com o pé o espelho de água que lhe mostrava aquele perfil estranho, esquivou um carro em andamento acelerado e chegou finalmente à pequena praça onde desbocavam três ruas diferentes. A praça estava deserta, como seria de esperar com aquele tempo. Só uma das portas estava aberta. O edifício tinha sido ocupado há pouco por uma corrente religiosa. Menstap ainda não sabia qual, mas talvez fosse altura de saber. Pelo menos curiosidade ainda tinha. Olhou em volta por uns momentos e atravessou a praça, parando em frente aos degraus que levavam à porta e à porta que levava à salvação. Lá de 89