Detectives Selvagens 1 - Setembro 2014 | Page 87

MENSTAP OU A CERTEZA DO ACASO manto opaco. Parecia que o tempo tinha apagado todas as particularidades e deixado apenas aquilo que lhes era comum. Dois membros superiores, dois inferiores, um tronco e uma cabeça que variava ocasionalmente de tamanho. Levantou–se da cadeira que tinha ao lado do colchão com os olhos pregados na moeda, enquanto uma das mãos vasculhava um saco de papel à procura de uma maçã em idade avançada. O político não deve ter gostado da petulância, pensou Menstap, que reparava agora no tom exaltado com que este se dirigia agora aos que tentavam “impor limites ao espírito democrático e progressista que há séculos caracteriza as sociedades ocidentais”. Já de cócoras debaixo da mesa, agarrou a moeda e rodou–a entre os dedos com a agilidade de um mágico, aproveitando para desligar a electricidade que alimentava a televisão. Sentou–se no soalho velho de madeira e atirou a moeda ao ar. “Um passeio até à praça se sair cara”. A moeda rodou no ar, sibilante, e ele seguiu–a com os olhos, num misto de expectativa e encantamento. Menstap tirou o casaco impermeável que estava pendurado no cabide da parede e saiu. Desceu vagarosamente as escadas do centro, passando por um dos voluntários e dois senegaleses que haviam chegado de Espanha há um par de dias. Cumprimentou–os com um leve 87