Detectives Selvagens 1 - Setembro 2014 | Page 70

FRANCISCO VILAÇA arrasta-se com o ronronar dos chinelos no tapete, e se as certezas da cabeça nem sempre são certas, já as do coração estão gravadas na pauta dos batimentos, emergem discricionárias como a ilusão dos que ainda cogitam viver em liberdade, o fim, bah, a vida encarregarse-á do fim, projectado e incubado pela astúcia divina de um Deus que não castiga, não, não desdenha, não inveja, não cobiça, e não perdoa, brinda com sádica e lenta tortura, a memória vigorosa da pauta, mecânica e persistente, resiste até que finalmente a senilidade enxote os resquícios do longínquo, parcialmente estilhaçados pelas orações determinadas que o pequeno rádio da cozinha, todos os dias sem excepção, pregou às sete da tarde, e pelo amor de quem amou, sim, porque também houve tempo de amar e ser amada, como uma Mulher o deve ser, com verdade e rendição, e ali mesmo desperta-se no espelho para um par de seios mirrados, confusos e desmoralizados, fitando o chão, exactamente onde outrora Maria Aparecida se ostentou orgulhosamente num peito opulento e sedutor, e nos olhos gulosos dos vizinhos, retrato Caleidoscópico da juventude, os contornos da blusa (maldito sejas), e as saias acima do joelho, que estimulam desejo libido, combustível de loucuras apaixonadas e paixões idiossincráticas, (que venha a cruz que de mim se carrega), desperta-se para as 70