Detectives Selvagens 1 - Setembro 2014 | Page 62

Inês COSTA tartarugas como se fossem apenas pedregulhos móveis, uns colossos esverdeados que viviam em ilhas e apareciam na televisão enquanto a minha mãe preparava o almoço aos fins-de-semana, mas quando a Relíquia chegou lá a casa era tão pequenina que cabia na palma da minha mão. Tinha a carapaça verde que eu imaginara, o corpo mole que lá enterrava estava riscado de linhas vermelhas e amarelas e acabava numa cauda que mais parecia uma simples linha escura. Se eu chegasse o meu dedinho à boca da pequena Relíquia ela piscava os olhos com parcimónia, abria a boquinha e mordia-me. A piada que eu achava àquilo! Morava na cozinha, em cima da máquina de lavar roupa, dentro um aquário cor-de-rosa com uma ilha minúscula onde eu encontrava a Relíquia na maior parte das vezes, totalmente estática, a fitar o frigorífico através do plástico cor-de-rosa semitransparente das paredes do aquário. Em cima da ilha estava uma palmeira de plástico. Fazia-me lembrar as ilhas onde os desenhos animados ficavam naufragados, pequenas e claustrofóbicas, com uma palmeira isolada no meio da areia. A minha Relíquia era como uma náufraga que eu me via obrigada a salvar de vez em quando, agarrá-la nas minhas mãozinhas, deixá-la espreguiçar-se, abanar as patinhas e mordiscar-me os dedos. O meu pai tinha-me dito que um dia a Relíquia ficaria tão grande como as tartarugas da televisão porque as 62