Inês COSTA
tartarugas como se fossem apenas pedregulhos móveis, uns
colossos esverdeados que viviam em ilhas e apareciam na
televisão enquanto a minha mãe preparava o almoço aos
fins-de-semana, mas quando a Relíquia chegou lá a casa era
tão pequenina que cabia na palma da minha mão. Tinha a
carapaça verde que eu imaginara, o corpo mole que lá
enterrava estava riscado de linhas vermelhas e amarelas e
acabava numa cauda que mais parecia uma simples linha
escura. Se eu chegasse o meu dedinho à boca da pequena
Relíquia ela piscava os olhos com parcimónia, abria a
boquinha e mordia-me. A piada que eu achava àquilo!
Morava na cozinha, em cima da máquina de lavar roupa,
dentro um aquário cor-de-rosa com uma ilha minúscula onde
eu encontrava a Relíquia na maior parte das vezes,
totalmente estática, a fitar o frigorífico através do plástico
cor-de-rosa semitransparente das paredes do aquário. Em
cima da ilha estava uma palmeira de plástico. Fazia-me
lembrar as ilhas onde os desenhos animados ficavam
naufragados, pequenas e claustrofóbicas, com uma palmeira
isolada no meio da areia. A minha Relíquia era como uma
náufraga que eu me via obrigada a salvar de vez em quando,
agarrá-la nas minhas mãozinhas, deixá-la espreguiçar-se,
abanar as patinhas e mordiscar-me os dedos.
O meu pai tinha-me dito que um dia a Relíquia ficaria
tão grande como as tartarugas da televisão porque as
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