Detectives Selvagens 0 - Julho 2014 | Page 59

MONSANTO – TRÊS FRAGMENTOS completamente lisos, sem apoios para trepar. Também me parecia pouco plausível que tivessem tido um percalço com um preso voador, em tempos. Não, o mais provável é que aquelas grades lá em cima tivessem como único objectivo manter a coerência no estado de espírito do prisioneiro, não fosse ele sentir-se um pouco melhor por ver uma extensão de céu livre. Fiquei ali assim, de mãos nos bolsos do pijaminha prisional, com as minhas pantufas a aquecer em cima das lajes de pedra, semicerrando os olhos que lacrimejavam da luz branca. A pouco e pouco os meus olhos habituaram-se à claridade. A sombra rendilhada das grades no chão e nas paredes dava a sensação de estarmos dentro de um cubo de Rubik resolvido, uma face branca, quatro ocres e outra, um puzzle do céu. O pátio era demasiado pequeno para se andar para trás e para a frente em linha recta sem uma pessoa ficar demasiado consciente de que estava encarcerada. Já tinha a experiência da minha cela, eu, não era um estagiário. Então comecei a andar aos círculos e de olhos quase fechados, assim podia ter a ilusão de caminhar sempre em frente, em liberdade. As grades no céu deram-me a impressão que, mesmo morrendo, a minha alma não podia subir e libertar-se dali. Tentei afastar a sensação de claustrofobia metafísica andando mais rápido. Para não tropeçar, desc [