Detectives Selvagens 0 - Julho 2014 | Page 32

JOÃO NEVES pessoas ah que giro Bruno como tu, e tu sorrias de volta e davas-lhe um calduço, o meu mais velho, dizias com a segurança de quem garantiu um pedaço da eternidade, e, agora discordarias comigo mas garanto-te que era assim pai, muitas vezes já nem me apresentavas a mim e a conversa mudava para qualquer coisa, ou porque o Bruno isto ou o Bruno aquilo e eu, ali meio agarrado às saias da mãe, enconadinho, era o que me chamavas quando a mãe não ouvia, se ela te ouvisse, não sejas enconadinho, caralho, a mãe morria logo ali, alguma vez ela disse asneiras pai? Gostava de te ter perguntado isto, entre outras coisas. Coisas banais, sabes, coisas simples, dúvidas parvas: coisas que te fariam soprar para o ar, para uma franja que tinhas apenas na minha imaginação (espero não ficar careca tão cedo como tu, pai, sem ofensa), as perguntas que os miúdos fazem quando estão a crescer. O padre ainda não chegou. Ainda bem, não tenho grande paciência para a missa. Estou a olhar para a mãe, está a olhar para o Bruninho (vou referir-me assim ao teu neto, ao meu sobrinho, para os distinguir senão depois às tantas já não sabes de quem estou a falar) e está calada, mas sei o que ouve dentro da cabeça, meu neto, é isso que ecoa dentro dela, meu neto, os lábios parecem mexer-se para articular tenuemente aquilo que vai gritando dentro de si. A mulher do Bruno está com o Bruninho ao colo, vai abanando-o para ele não chorar, parece que o miúdo se vai 32