Detectives Selvagens 0 - Julho 2014 | Page 23

O ELOGIO DAS PESSOAS SIMPLES papel social que sempre lhes coube e fazem-no com a consciência de que a vida é mesmo assim. Não fingem ser o que não são. Ou, se o fazem, não têm qualquer êxito e esse passa a ser um papel aceite pelos restantes membros. Descascam laranjas com os dedos e não se importam com o cheiro que fica entranhado nas mãos, matam coelhos com um golpe bem dado no pescoço e degolam as galinhas da capoeira para a canja, deliciam-se com os legumes da horta e fazem gala da sardinha no pão. No fim, lambem os dedos com gosto e a certeza de que está tudo no devido lugar. É assim que se faz. Nem se percebe como é que alguém pode comer um frango assado de faca e garfo, argumentam, cheios de convicção, perante o horror mal disfarçado das pessoas que perderam a frescura da simplicidade. As pessoas simples montam casa e casam-se, com uma festa para a família e os amigos. Depois têm filhos. Não se perdem em divagações filosóficas, metafísicas, pessoais ou profissionais. Cumprem-se e perdem-se nessa missão. Na missão de serem simples. Invejam os outros, os não simples, os que foram atrás de algo que nunca encontram, os que saíram da zona de conforto, aqueles que quase nunca chegam a casar-se ou, pior ainda, que nem sequer têm filhos. Morrem de inveja porque gostariam de saber como é ser-se livre dessa maneira. As pessoas simples não sabem que a liberdade de se ser livre é cheia de espartilhos, preconceitos, solidão e 23