O Brasil rural (1968-2018):
morre o agrário, nasce um regime agroalimentar global 1
Zander Navarro
Maria Thereza Macedo Pedroso
E
stendendo-se por um período de cinco décadas, o Brasil
vem experimentando uma transformação radical de suas
regiões rurais, deixando de apresentar um quase exclusivo
setor dominante (a cafeicultura), na década de 1970, para emergir
atualmente como uma das potências agroalimentares do mundo.
Esta profunda transição, largamente ignorada pelo restante da
sociedade, tem uma dupla face: um resultado econômico (centrado
nos eixos tecnológico e produtivo) espetacular, mas contraposto
à persistência da maioria das mazelas sociais de nossa histó-
ria, o período mais recente observando a aceleração da seletivi-
dade social. Em nenhuma outra esfera social persiste uma “selva
darwinista” tão nítida e ostensiva como no campo brasileiro.
Em termos analíticos, esta tem sido uma era caracterizada,
nas regiões rurais, por um processo de “desagrarianização”, este
sendo definido como um período de reorientação da atividade
econômica, fortes ajustes no mercado de trabalho e realinha-
mentos espaciais distintos do padrão convencional. Diminuem
drasticamente as atividades de subsistência, assim como o
trabalho agrícola e a população rural residente. Em síntese,
uma crescente monetarização da vida social rural, ainda que o
valor monetário do trabalho agrícola per capita também se
reduza, relativamente, em comparação até mesmo com o traba-
lho rural não agrícola.
As raízes desse processo localizam-se na modernização
iniciada durante o regime militar, o qual semeou a formação de
uma geração de produtores rurais, normalmente nos estados
sulistas, movidos pela busca de maior lucratividade. Os quais,
1 Este comentário é uma síntese do capítulo intitulado “Rural Brazil: the passing
of its agrarian past, 1968-2018”, a ser publicado no livro organizado por BUAI-
NAIN, A.M.; LANNA, R.; NAVARRO, Z., intitulado Brazil: Agricultural Develop-
ment in the New Century (The Rise of a Global Agro-Food Power), previsto para
maio de 2019, pela Routledge (Londres).
66