No caso do combate ao clientelismo, desde antes do precioso
livro de Edson Nunes sabemos que essa gramática tradicional do
Brasil não é resquício de uma sociedade tradicional mas uma
tradição bem instalada em sociedades modernas. Depois do livro
de Nunes, ficamos lembrados de que sua combinação com (e não
sua revogação por) gramáticas políticas modernas é sinônimo de
êxito político e administrativo de governos e condição de sobrevi-
vência da representação política, o recurso acessível ao cidadão
comum. Os credos corporativos vigentes entre elites estatais –
fossem burocráticas, técnicas ou de corporativismo societal –
eram, até o regime militar, contra o sistema político, mormente o
Congresso, menos pelo seu clientelismo (com o qual aqui e ali
enlaçavam-se) e mais por seu caráter representativo. Na democra-
cia, o presidencialismo de coalizão equilibrou a contenda em favor
do sistema político e da governabilidade também. Uma nova
versão da fertilização cruzada das gramáticas a que Nunes se
refere mostrou a superioridade da responsabilidade política sobre
perspectivas de convicção. Até que a exorbitância na gramática
tradicional mobilizou fortemente os filhos bastardos do patrimo-
nialismo e o equilíbrio se foi.
Atualmente, o problema repõe-se tendo como focos o fisiolo-
gismo e a corrupção, aos quais uma ética de convicção pretende
destinar, após sua condenação e execução, uma vala comum.
A contundência da ofensiva levou de roldão em direção à vala a
própria prática da negociação política. Vencidas as eleições pela
mensagem da faxina é chegada a hora da responsabilidade e do
realismo. Que novo equilíbrio se estabelecerá? É nesse quadro
que a aproximação cuidadosa com o Fernando Henrique do tempo
pre Bolsonaro tem amplo campo para avançar. Aproximação no
presente, mirando o futuro e com cuidados postos em tempo
pretérito, relacionados a possíveis dependências de trajetória que
possam se fazer sentir. Embora distantes do pensamento de
Fernando Henrique e neutralizados enquanto duraram os tempos
do pragmatismo governamental tucano, laços políticos do PSDB
com o campo do idealismo constitucional fortaleceram-se durante
anos de aliança cada vez mais simbiótica com o campo liberal, na
oposição ao PT. E encontraram, nos tempos da Lava-Jato, um
ponto de dispersão, mas também de ebulição, no qual se evapora-
ram as chances do próprio partido reagir, enquanto parte da elite
política, à operação de extermínio a ela dirigida pela reencarna-
ção judiciária daquela histórica corrente do pensamento liberal
A gramática da política contra o pathos profético
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