Desfazer as confusões pd52 | Page 59

No caso do combate ao clientelismo, desde antes do precioso livro de Edson Nunes sabemos que essa gramática tradicional do Brasil não é resquício de uma sociedade tradicional mas uma tradição bem instalada em sociedades modernas. Depois do livro de Nunes, ficamos lembrados de que sua combinação com (e não sua revogação por) gramáticas políticas modernas é sinônimo de êxito político e administrativo de governos e condição de sobrevi- vência da representação política, o recurso acessível ao cidadão comum. Os credos corporativos vigentes entre elites estatais – fossem burocráticas, técnicas ou de corporativismo societal – eram, até o regime militar, contra o sistema político, mormente o Congresso, menos pelo seu clientelismo (com o qual aqui e ali enlaçavam-se) e mais por seu caráter representativo. Na democra- cia, o presidencialismo de coalizão equilibrou a contenda em favor do sistema político e da governabilidade também. Uma nova versão da fertilização cruzada das gramáticas a que Nunes se refere mostrou a superioridade da responsabilidade política sobre perspectivas de convicção. Até que a exorbitância na gramática tradicional mobilizou fortemente os filhos bastardos do patrimo- nialismo e o equilíbrio se foi. Atualmente, o problema repõe-se tendo como focos o fisiolo- gismo e a corrupção, aos quais uma ética de convicção pretende destinar, após sua condenação e execução, uma vala comum. A contundência da ofensiva levou de roldão em direção à vala a própria prática da negociação política. Vencidas as eleições pela mensagem da faxina é chegada a hora da responsabilidade e do realismo. Que novo equilíbrio se estabelecerá? É nesse quadro que a aproximação cuidadosa com o Fernando Henrique do tempo pre Bolsonaro tem amplo campo para avançar. Aproximação no presente, mirando o futuro e com cuidados postos em tempo pretérito, relacionados a possíveis dependências de trajetória que possam se fazer sentir. Embora distantes do pensamento de Fernando Henrique e neutralizados enquanto duraram os tempos do pragmatismo governamental tucano, laços políticos do PSDB com o campo do idealismo constitucional fortaleceram-se durante anos de aliança cada vez mais simbiótica com o campo liberal, na oposição ao PT. E encontraram, nos tempos da Lava-Jato, um ponto de dispersão, mas também de ebulição, no qual se evapora- ram as chances do próprio partido reagir, enquanto parte da elite política, à operação de extermínio a ela dirigida pela reencarna- ção judiciária daquela histórica corrente do pensamento liberal A gramática da política contra o pathos profético 57