Desfazer as confusões pd52 | Page 58

tradição, é uma boa diagonal para reconectar tradição e projeto, nesse tempo presente de tantos elos partidos. No plano complexo das aproximações cuidadosas estão outros dois pontos de nossa tradição política, tal como ela se nos apre- senta, como cultura política, em reflexões referenciais de Werneck Vianna, Maria Alice Rezende de Carvalho e Rubem Barboza Filho, lembradas pelo primeiro em artigo publicado no mesmo dia do de Fernando Henrique e no mesmo jornal. Um ponto é o que Faoro e Schwartzman, evocando Weber, batizaram de patrimonialismo. Outro, o que os outros citados viram, seguindo pistas de Richard Morse, como tempero comunitarista. Vamos logo ao tempero. Suposto como capaz, ao contrário do individualismo “neoliberal”, de cadenciar o impacto da lógica de mercado de modo a acolhê-la como solução moderna, porém de modo atento a noções de bem comum reclamadas por nossa cons- tituição mental e pela desigualdade social, ele não tem lugar na reflexão setentista de Schwartzman. Sua convicção ia na linha de proclamar a superação dessa tradição, o que o pôs em memorável controvérsia com Morse. Já com Fernando Henrique, por seu manejo politicamente responsável da dialética da ambiguidade, é mais fácil o diálogo, sobretudo no tempo de Bolsonaro, em que a busca de convergência socialdemocrática volta a entrar em pauta. Em compensação, no campo do individualismo desponta, querendo também um espaço na pauta, a mensagem ainda enigmática do partido Novo e de tudo de novidade que ele traz consigo. Dentre elas a pergunta sobre se um “radicalismo de centro” acolhe uma nova direita como parte ou interlocutora. A pergunta se mantém no segundo ponto da pauta das apro- ximações cuidadosas, a crítica ao patrimonialismo e seus filhotes pleno (o clientelismo) e bastardo (o fisiologismo e a corrupção). É consenso merecerem crítica e combate por uma política demo- crática. Mas é controverso que seja possível, eficaz, ou mesmo conveniente, fazê-lo através de uma ética de convicção, como parece imaginar Schwartzman, em linha com uma longeva tradi- ção do idealismo constitucional brasileiro. Essa conexão, como sabemos, está presente, ainda que não hegemonicamente, no DNA político do PSDB, especialmente do seu núcleo paulista e a essa influência não escapam o pensamento e ação de Fernando Henri- que Cardoso, ainda que, outra vez, ele possa ir ao diálogo com o matiz da dialética da ambiguidade. 56 Paulo Fábio Dantas Neto