Entra em terreno pantanoso quem se manifesta, num auditório
como esse, em analogia e sintonia com recentes palavras de
Fernando Henrique Cardoso. Mas o intuito de coerência com o que
se acabou de afirmar manda ir além e recomendar leitura do seu
artigo de domingo no Estadão, no qual ele propõe a reconstrução
de um centro democrático na política brasileira, tendo como mote a
ideia de um “radicalismo de centro”. Ao fazer essa indicação não se
espera aplauso do público, só se quer propor reflexão. Sem ilusões
quanto à persistência inibidora, em nosso ambiente, da polariza-
ção tucano-petista, não mais existente, ao menos no entender do
eleitorado, que introduziu uma nova polarização que estamos desa-
fiados a aceitar, em respeito à maioria. Aceitação que é condição
para que se exija mais adiante, do governo que essa maioria elegeu,
o respeito às oposições, tanto àquela que corresponde à polariza-
ção consagrada nas urnas, quanto a terceiras possibilidades, que
também estão no horizonte do soberano.
Assim como ocorreu ao trazer o Simon Schwartzman de 1975
para viajar do passado ao presente, Fernando Henrique em tempos
pré-Bolsonaro será comentado adiante para entender o presente
com olhos no futuro. Mas antes vem um parênteses, que forma-
liza algumas razões para plenas sintonias e para aproximações
cuidadosas das reflexões desses dois intelectuais com o que aqui
se busca acolher como carta de navegação para o momento atual.
Parênteses para elucidar o pensamento
Quem ainda não visita (ou quem, por opção intelectual legí-
tima, não quer visitar) o pensamento político sobre o Brasil pode
pular esse parênteses. Certamente ele não fará falta ao entendi-
mento geral da mensagem. Trata-se de uma satisfação dada de
bom grado aos viciados nesse bom vinho e também de um registro
escrito contra eventuais investidas de patrulhas ideológicas ainda
fixadas em polaridades mortas.
Uma das sintonias – certamente a mais sólida – com ambos os
autores comentados, é a negação do autoritarismo, em suas varia-
das formas, por uma ética de convicção democrática. Outra sinto-
nia, evidente no Fernando Henrique que escreve e no que faz polí-
tica, é o manejo, em sentido positivo (e também por convicção), da
dialética da ambiguidade. O possível recurso, como práxis, a essa
chave de Guerreiro Ramos, usada com felicidade por José Murilo
de Carvalho para retratar uma gramática política que se fez nossa
A gramática da política contra o pathos profético
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