Desfazer as confusões pd52 | Page 57

Entra em terreno pantanoso quem se manifesta, num auditório como esse, em analogia e sintonia com recentes palavras de Fernando Henrique Cardoso. Mas o intuito de coerência com o que se acabou de afirmar manda ir além e recomendar leitura do seu artigo de domingo no Estadão, no qual ele propõe a reconstrução de um centro democrático na política brasileira, tendo como mote a ideia de um “radicalismo de centro”. Ao fazer essa indicação não se espera aplauso do público, só se quer propor reflexão. Sem ilusões quanto à persistência inibidora, em nosso ambiente, da polariza- ção tucano-petista, não mais existente, ao menos no entender do eleitorado, que introduziu uma nova polarização que estamos desa- fiados a aceitar, em respeito à maioria. Aceitação que é condição para que se exija mais adiante, do governo que essa maioria elegeu, o respeito às oposições, tanto àquela que corresponde à polariza- ção consagrada nas urnas, quanto a terceiras possibilidades, que também estão no horizonte do soberano. Assim como ocorreu ao trazer o Simon Schwartzman de 1975 para viajar do passado ao presente, Fernando Henrique em tempos pré-Bolsonaro será comentado adiante para entender o presente com olhos no futuro. Mas antes vem um parênteses, que forma- liza algumas razões para plenas sintonias e para aproximações cuidadosas das reflexões desses dois intelectuais com o que aqui se busca acolher como carta de navegação para o momento atual. Parênteses para elucidar o pensamento Quem ainda não visita (ou quem, por opção intelectual legí- tima, não quer visitar) o pensamento político sobre o Brasil pode pular esse parênteses. Certamente ele não fará falta ao entendi- mento geral da mensagem. Trata-se de uma satisfação dada de bom grado aos viciados nesse bom vinho e também de um registro escrito contra eventuais investidas de patrulhas ideológicas ainda fixadas em polaridades mortas. Uma das sintonias – certamente a mais sólida – com ambos os autores comentados, é a negação do autoritarismo, em suas varia- das formas, por uma ética de convicção democrática. Outra sinto- nia, evidente no Fernando Henrique que escreve e no que faz polí- tica, é o manejo, em sentido positivo (e também por convicção), da dialética da ambiguidade. O possível recurso, como práxis, a essa chave de Guerreiro Ramos, usada com felicidade por José Murilo de Carvalho para retratar uma gramática política que se fez nossa A gramática da política contra o pathos profético 55