Além da serenidade e prudência no diagnóstico sobre um
período de governo que ainda não começou; além de preferir a
paciência da análise ao efeito retórico das sínteses apressadas, é
preciso ressuscitar a gramática que construiu a democracia que
temos, que trouxe vantagens democráticas ao nosso tempo em
comparação a qualquer outro tempo histórico e que anda esque-
cida até nas melhores famílias, como é a nossa, da universidade
pública. Os avanços que alcançamos não foram “naturais”, não
derivam de uma lei inexorável da história. Resultam de escolhas
políticas acertadas, adequadas aos momentos vividos. É evidente
que se está aqui a valorizar e não a minimizar ou condenar a
opção feita entre os anos de 70 e de 80, pela estratégia da ampla
frente democrática para derrotar a ditadura e criar uma democra-
cia moderna e pluralista e um Estado democrático de direito, sob
paciente combinação de conflito e negociação, construindo,
durante o caminho, consensos possíveis entre as várias partes da
sociedade e dos partidos que queriam a democracia. Consensos
que balizavam a negociação com o adversário.
Esta gramática orienta a não desdenhar a democracia polí-
tica. A valorizar a representação como meio de participação cres-
centemente ampliada, em vez de dar de ombros a ela, depositando
expectativas de participação imediata em simulações mentais de
democracia direta, cujo potencial opressivo fica claro agora,
quando um demagogo de direita a aciona, no real, para manter
seu eleitorado no ar. O legado político do mundo ao qual estamos
historicamente ligados são instituições políticas representativas
que nasceram aristocráticas, tornaram-se liberais (sem deixar de
ser aristocráticas) e hoje são democráticas, mantendo-se liberais,
porém não mais aristocraticamente. Elas têm sido no Brasil o
terreno mais efetivo e, na atual conjuntura, são talvez o único em
que uma ação política reformadora tem poder de iniciativa. No
momento em que a mobilização de rua, as ações diretas e pautas
identitárias específicas de grupos sociais discriminados entram,
por força das circunstâncias, num andamento mais defensivo que
afirmativo, articulá-los ao repertório do conjunto da sociedade
civil progressista e pluralista, em sintonia com a política institu-
cional, é um caminho para preservar e manter ativos os espaços
civis de participação. A constituição de uma ampla oposição
democrática não é questão de resistência. É questão de ocupar
espaço político, moderar o governo eleito e unir democratas, pela
reconstrução paciente do centro político do país.
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Paulo Fábio Dantas Neto