Desfazer as confusões pd52 | Page 56

Além da serenidade e prudência no diagnóstico sobre um período de governo que ainda não começou; além de preferir a paciência da análise ao efeito retórico das sínteses apressadas, é preciso ressuscitar a gramática que construiu a democracia que temos, que trouxe vantagens democráticas ao nosso tempo em comparação a qualquer outro tempo histórico e que anda esque- cida até nas melhores famílias, como é a nossa, da universidade pública. Os avanços que alcançamos não foram “naturais”, não derivam de uma lei inexorável da história. Resultam de escolhas políticas acertadas, adequadas aos momentos vividos. É evidente que se está aqui a valorizar e não a minimizar ou condenar a opção feita entre os anos de 70 e de 80, pela estratégia da ampla frente democrática para derrotar a ditadura e criar uma democra- cia moderna e pluralista e um Estado democrático de direito, sob paciente combinação de conflito e negociação, construindo, durante o caminho, consensos possíveis entre as várias partes da sociedade e dos partidos que queriam a democracia. Consensos que balizavam a negociação com o adversário. Esta gramática orienta a não desdenhar a democracia polí- tica. A valorizar a representação como meio de participação cres- centemente ampliada, em vez de dar de ombros a ela, depositando expectativas de participação imediata em simulações mentais de democracia direta, cujo potencial opressivo fica claro agora, quando um demagogo de direita a aciona, no real, para manter seu eleitorado no ar. O legado político do mundo ao qual estamos historicamente ligados são instituições políticas representativas que nasceram aristocráticas, tornaram-se liberais (sem deixar de ser aristocráticas) e hoje são democráticas, mantendo-se liberais, porém não mais aristocraticamente. Elas têm sido no Brasil o terreno mais efetivo e, na atual conjuntura, são talvez o único em que uma ação política reformadora tem poder de iniciativa. No momento em que a mobilização de rua, as ações diretas e pautas identitárias específicas de grupos sociais discriminados entram, por força das circunstâncias, num andamento mais defensivo que afirmativo, articulá-los ao repertório do conjunto da sociedade civil progressista e pluralista, em sintonia com a política institu- cional, é um caminho para preservar e manter ativos os espaços civis de participação. A constituição de uma ampla oposição democrática não é questão de resistência. É questão de ocupar espaço político, moderar o governo eleito e unir democratas, pela reconstrução paciente do centro político do país. 54 Paulo Fábio Dantas Neto