Desfazer as confusões pd52 | Page 52

de todo o modo, ele reconhece que a memória do período 46/64 fez da participação um tema central: apesar da excepcionalidade, a experiência deixou marcas e não pode ser esquecida. O argumento do autor é que a participação política não deriva de forma simples do processo da transformação social. Condições para que de um processo de mobilização social derive demanda por participação da vida pública dependente de duas variáveis: a primeira é a natureza do processo de modernização e de desen- volvimento. Situações como a de vários países do ocidente em que desenvolvimento econômico precede à modernização tendem a gerar demandas específicas de classes e grupos sociais, com ampliação progressiva da autonomia e da participação. Já onde a modernização avança sem ser acompanhada no mesmo ritmo pelo desenvolvimento econômico, a permanência de entraves de desigualdade faz com que a ação política tenda a se fixar nos fins mais que nos meios e assim a encorpar o nível simbólico e princi- pista da vida política. Este segundo seria o nosso caso. A segunda variável seriam as características mais próprias do sistema político. Maior ou menor institucionalização podem provocar permeabilidade ou rigidez perante novas demandas de participação. E nesse ponto a formação e a configuração das instituições brasileiras não favoreceriam. Começando pela origem estatal de um sistema partidário hegemônico em que a coalizão PSD/PTB ancora-se centralmente na cooptação e não na repre- sentação. Essa coalizão sofria quatro tipos de oposição: a) oposi- ção liberal a Vargas (UDN, setores médios urbanos, intelectuais, lideranças arredadas); b) setores militares impacientes com a ineficiência e o clientelismo, preços do sistema de cooptação; c) setores operários que pressionavam lideranças sindicais por mais militância e ideologia; d) setores militares, operários e inte- lectuais nacionalistas, críticos da política externa. Para o autor, todos eles, mesmo os mais inquietos, mantinham-se, até a crise terminal do regime, às portas de 1964, nos marcos do que está descrito, na literatura sobre o período, como um estado de compro- misso, em que mudanças e avanços sociais eram possíveis desde que não ultrapassassem certos limites para além dos quais a democracia poderia abrir brechas à subversão da ordem. A política de cooptação transitava, conforme Schwartzman, num continuum esquerda/direita, entre situação e oposições e focava em demandas voltadas ao Estado. Nova dimensão se mostra à medida em que se aproximam os anos de 1960. É a intensidade 50 Paulo Fábio Dantas Neto