Desfazer as confusões pd52 | Page 51

cer a acuidade da sua análise e o diálogo vivo que ela mantém com a empiria brasileira. O cenário a que o autor se reporta, no sexto capítulo do livro, é o da democracia da Constituição de 1946 que, de muitos, recebe o adjetivo de populista. A remissão àquele contexto nessa exposição não é uma escolha. Se dependesse do expositor, ele já seria tratado só como história. Mas discursos vigentes na cena pública atual, à direita e à esquerda, têm insistido no viés anacrônico e encontrado audiência. De modo que para dialogar, assim como foi aceito o tema fascismo, aceita-se aqui também revisitar o passado. Para isso recorrendo a Schwartzman, pois de sua obra surgem pontes para se chegar à bem diversa realidade, que é o nosso presente. Pedindo desculpas a quem já o conhece, será brevemente apre- sentado o argumento geral de Schwartzman, com base num resumo que dele faz Bolivar Lamounier. Recurso, portanto, a um liberal que, no campo ideológico, afina-se, mais que o expositor, com o texto comentado. Isso diminui o risco de uma interpretação distorcer o argumento. Pelas lentes de Lamounier, lemos em Schwartzman que no Brasil uma polaridade Estado x sociedade ganhou vida numa “macroestrutura patrimonialista” contraposta a uma “base social pobre e amorfa na maior parte do país”. Já em São Paulo teria germinado um subsistema político nitidamente diferenciado. O contraste justifica, ainda conforme Lamounier, a chave analí- tica de Schwartzman, centrada na contraposição entre as noções de cooptação e representação, as quais expressam e nomeiam dois subsistemas diferenciados, coetâneos durante a democracia vigente de 1946 a 1964, com dominância do primeiro. A partir daqui prossegue-se já sem a guia de Lamounier. O livro de Schwartzman é de 1975, atualizado no final da tran- sição democrática. O autor assinala a excepcionalidade do regime de 46 a 64 em termos de participação política de massas. Essa excepcionalidade, em alguns momentos aparece de modo a que o período possa ser encarado como parênteses numa história cujo fio condutor é o autoritarismo. O autor não salienta ter o Brasil uma experiência histórica de construção do Estado através não só de uma monarquia em linha de continuidade com Portugal mas também através, como salienta José Murilo de Carvalho, de poder civil e governo representativo, em contraste com o militarismo e o caudilhismo de nossos vizinhos colonizados pela Espanha. Mas, A gramática da política contra o pathos profético 49