A democracia na furna da onça
Hamilton Garcia de Lima
O
risco à democracia num país é comumente atribuído ao
comportamento dos agentes políticos e seu grau de
comprometimento com suas práticas e instituições, e à
resistência delas às crises. Por este prisma, os riscos podem ser
bem menores do que realmente são, sobretudo quando não se tem
em conta a natureza das crises que ela enfrenta.
Em nosso caso, as crises vividas desde 1988 (impeachments,
megaesquemas de corrupção etc.), foram todas contornadas,
mas seu legado foi, até aqui, irrelevante em termos de modifica-
ções institucionais/culturais efetivas, capazes de evitar a repeti-
ção dos problemas.
De outro lado, tanto o extremismo petista quanto o bolsona-
rista foram tolhidos, até aqui, pelo resultado das urnas: no primeiro
caso, por uma derrota que isolou a esquerda nas regiões periféricas
do país, enquanto, no segundo, a vitória obrigou à formação de
uma coalizão de governo com forças não extremistas.
Não obstante estes sinais positivos, o problema das interpreta-
ções funcionalistas, seja de viés voluntarista ou institucionalista,
é que elas não costumam dar conta dos problemas estruturais de
nossa dinâmica política, em especial aqueles que historicamente
vinculam a modernização a uma ação política por cima, por meio
de um Estado de compromisso que articula e seleciona interesses
presentes na sociedade, quer do capital ou do trabalho, em bene-
fício de elites neopatrimonialmente orientadas – cuja degradação
evolutiva desembocou na "furna da onça”, paradigma cabralino
(1995-2018) do uso da corrupção como instrumento de emulação
da harmonia de poderes.
A partir desta perspectiva histórico-estrutural, podemos
entender melhor como nossa República foi a expressão de um
pacto de poder em que o "estamento burocrático” (Faoro) – quer
sob a hegemonia agrarista (República Velha, 1889-1930), quer
industrialista (República Nova em diante, 1930-1989) e financista
Oposição ou resistência?
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