Desfazer as confusões pd52 | Page 27

A democracia na furna da onça Hamilton Garcia de Lima O risco à democracia num país é comumente atribuído ao comportamento dos agentes políticos e seu grau de comprometimento com suas práticas e instituições, e à resistência delas às crises. Por este prisma, os riscos podem ser bem menores do que realmente são, sobretudo quando não se tem em conta a natureza das crises que ela enfrenta. Em nosso caso, as crises vividas desde 1988 (impeachments, megaesquemas de corrupção etc.), foram todas contornadas, mas seu legado foi, até aqui, irrelevante em termos de modifica- ções institucionais/culturais efetivas, capazes de evitar a repeti- ção dos problemas. De outro lado, tanto o extremismo petista quanto o bolsona- rista foram tolhidos, até aqui, pelo resultado das urnas: no primeiro caso, por uma derrota que isolou a esquerda nas regiões periféricas do país, enquanto, no segundo, a vitória obrigou à formação de uma coalizão de governo com forças não extremistas. Não obstante estes sinais positivos, o problema das interpreta- ções funcionalistas, seja de viés voluntarista ou institucionalista, é que elas não costumam dar conta dos problemas estruturais de nossa dinâmica política, em especial aqueles que historicamente vinculam a modernização a uma ação política por cima, por meio de um Estado de compromisso que articula e seleciona interesses presentes na sociedade, quer do capital ou do trabalho, em bene- fício de elites neopatrimonialmente orientadas – cuja degradação evolutiva desembocou na "furna da onça”, paradigma cabralino (1995-2018) do uso da corrupção como instrumento de emulação da harmonia de poderes. A partir desta perspectiva histórico-estrutural, podemos entender melhor como nossa República foi a expressão de um pacto de poder em que o "estamento burocrático” (Faoro) – quer sob a hegemonia agrarista (República Velha, 1889-1930), quer industrialista (República Nova em diante, 1930-1989) e financista Oposição ou resistência? 25