Desfazer as confusões pd52 | Page 24

que propriamente fascista. Tudo isso não é pouco para nos aler- tar quanto aos riscos que corre a democracia. Contudo, a vitória de Bolsonaro não deve ser vista como um retorno ou uma conde- nação antecipada do país aos “anos de chumbo”. Na montagem do governo, com uma reforma administrativa em curso que reduz o número de Ministérios, o presidente eleito parece visar mais a composição de um quadro de referência de mudanças – no qual estão indicativos neoliberais, mas também da democracia política –, do que a emulação de um líder que prepara a instalação de um regime fascista ou de uma ditadura, mesmo que seja de forma gradual. Será certamente um governo de direita porque essencialmente apela à ordem de maneira amea- çadora e quase brutal, pensa mudanças econômicas a partir da régua neoliberal, com poucas ou nenhuma concessão de caráter social, além de ser regressivo, restritivo e anacrônico nos planos cultural e ambiental, sem falarmos no plano comunicacional, até agora o mais tenebroso no seu comportamento. Uma das tarefas essenciais da oposição democrática – que precisa ainda ser construída e articulada – é a de agir para evitar que o estilo (de um violentismo performático) e as inclinações autoritárias do presidente eleito e do seu entorno se transformem em regime político. Os atores políticos que se perfilam no campo oposicionista terão uma árdua tarefa pela frente, em particular a esquerda, que terá que se reconstruir, uma vez que a linguagem da antipolítica que predominou nessas eleições a atingiu profun- damente em suas lideranças, ideias e valores. Derrotado nas eleições, o Partido dos Trabalhadores parece não ver razões para alterar seu posicionamento, fixando-se numa posição de antagonismo irredutível. A considerar o discurso de Fernando Haddad, na noite em que se deram a conhecer os resul- tados, o PT se mantém no interior da célebre divisão “nós versus eles” instituída pelo partido desde os governos Lula. Para o partido, a oposição a Bolsonaro deverá assumir a representação política de uma “outra nação”, aquela que lhe rendeu 46 milhões de votos, na qual a palavra-chave é a da “resistência” a uma espé- cie de “governo de ocupação”, na infeliz expressão do Wanderley Guilherme dos Santos. Aqui abro um parêntesis: de fato, “resistência” é uma noção cuja origem é a ocupação nazista na França e na Itália, que se conformou num referente histórico para a esquerda; na luta 22 Alberto Aggio