Drama feminino
O
Ana Maria Lopes
esforço de se apagar a história não encontra eco na litera-
tura que a escritora Lucília Garcez nos apresenta em um
novo livro, seu primeiro romance, Outono (Outubro, 2018).
É a romancista que se revela além da doutora em letras.
A história é narrada em primeira pessoa e aponta uma varie-
dade de experiências e questionamentos de sua personagem
central, Ângela. Ela trava um combate pela identidade de uma
mulher madura no esplendor da feminilidade de seu outono. É a
luta constante e veemente de uma mulher à procura do respeito e
da valorização ante os direitos do ser humano e da sua imposição
diante da vida. A personagem faz da existência a própria bandeira
e assume, com suavidade, o controle de seu rumo.
A narrativa de Lucília Garcez tem dupla temporalidade.
O tempo presente e o passado se unem naquilo que o historiador
Walter Benjamin definiu como "uma reivindicação da memória
como instância reconstrutora do passado".
Percorrendo um período de sombra da história recente do
Brasil, Lucília coloca entre dois amores – o compromisso com a
verdade, o direito ao conhecimento do passado e a luta cotidiana
e revolucionária do século 20.
No rastro de autores que retratam o período da ditadura mili-
tar na América Latina (Eduardo Galeano, Julián Fux, Beatriz Leal,
Rosângela Vieira Rocha, Ferreira Gullar, Ignácio de Loyola
Brandão, Luiz Fernando Emediato, entre outros), Lucília Garcez
mostra que escrever sobre o passado tenebroso é uma função
crítica e necessária e, melhor ainda, pautada pelo distancia-
mento. Sua reconstrução, mesmo sob a base de uma coerência
imaginária, possui o crédito da verdade.
Outono é um romance ficcional histórico, mas Ângela, sua
personagem, é, em muitos aspectos, o espelhamento de sua cria-
dora. Essa afirmação é refletida na construção de delicadezas ("...
saio arrastando comigo as antigas, indeléveis marcas na alma"), no
romantismo ("Planejar um jardim exige sempre visualizar o seu
futuro, o desenvolvimento das plantas e a sua combinação no
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