Desfazer as confusões pd52 | Page 194

mento operário e do país – uma história desde baixo, movida por um partido que se concebe como expressão pura do social “contra a mediação representada pelas formas elitistas da política” (p. 45). O título Que esquerda é esta? dialoga, então, com a ambiva- lência do PT em relação às instituições da democracia política e às mudanças processuais, incrementais, que podem advir do alargamento da base de massas do Estado democrático de direito. Para o autor, essa ambivalência e suas consequências práticas trazem riscos de retrocesso político, mesmo quando encarnada – ou até por isso – num novo cavaleiro da esperança. Já em 2018, “quando os sinais de alarme soam com estridên- cia” (p. 291) anunciando a crise da democracia política tal como até então a conhecíamos, Luiz Sérgio arrola os traços dessa dinâ- mica em curso no mundo. Destaque-se, nesse passo, a perspec- tiva cosmopolita do autor, que atenua o provincianismo dos deba- tes locais e situa nossas aflições brasileiras num mundo em profunda mutação. A eleição de Donald Trump, em 2016, é um desses traços, evidenciando a corrosão da coesão social norte-a- mericana e a produção de um padrão de enfrentamento político que interrompe o processo de fortalecimento contínuo de pautas ambientais e de gênero, com impacto planetário. Na Europa, os problemas não são menores; e mesmo a Itália, “de rica tradição de esquerda” (p. 292), conhece a emergência majoritária da extrema direita, perante a qual o próprio Silvio Berlusconi pode ser tomado como um exemplo de moderação. Mas é na América do Sul que as democracias constitucionais se encontram em avançado estado de degradação. O abandono da ideia de centro político; a aposta na contraposição entre povo e elites – essas elites compreendendo as “reacionárias classes médias”; a tentativa de se perpetuar no poder, cometendo, para isso, os métodos da burla marqueteira, da cooptação, da demoni- zação dos adversários, para não mencionar a corrupção em escala transnacional, são algumas práticas que ali têm curso. Na Bolívia, lembra o autor, contra o veredicto formal de um plebiscito, a manutenção do mesmo mandatário foi justificada pelo respeito que ele devota aos direitos humanos. E a crise humanitá- ria na Venezuela é uma tragédia que desonra todas as esquerdas. Portanto, não serão a divisão e o confronto que poderão rein- ventar a democracia política no subcontinente, o Brasil incluído. 192 Maria Alice Rezende de Carvalho