iluminados revelaria o caminho ao futuro desde um passado que
só o intelectual conhece e reconhece. Por isso, o revolucionário
projeta um futuro que é novo e perfeito, mas retorna, paradoxal-
mente, a um passado mítico. Por isso também os revolucionários
gostam tanto de Rousseau e de seu ‘bom selvagem’. Por isso,
ainda, os revolucionários gostam tanto de tiranos, quando não são
eles mesmos os próprios déspotas, em suas pequenas rela- ções
de poder, travestidos em reis-filósofos.
É neste ponto, na busca de um passado mítico que pode retor-
nar, sob a égide de um tirano e seus asseclas intelectualizados,
na forma de um futuro perfeito, que se encontram os tais donos
de ‘mentes imprudentes’ e os reacionários. Tamanha associação
se revela em outra obra de Mark Lilla, A mente naufragada: sobre
o espírito reacionário (Record, 2018). Nela, numa surpreendente
nota de rodapé, Lilla identifica em A montanha mágica, de Thomas
Mann, um personagem que resumiria a relação entre o reacioná-
rio e o revolucionário: Leo Naphta, personagem do livro de Mann,
é um judeu, doente e convertido ao catolicismo (ao ponto de se
transformar em padre jesuíta) que, ao longo de sua vida, também
dedica grande admiração pelas ideias comunistas.
O histrionismo intelectual de Naphta se revela em uma nostal-
gia pela Idade Média europeia, pela feroz crítica à modernidade e
pela defesa de que a ordem e a autoridade perdidas no mundo
moderno só seriam resgatadas por uma revolução radical e
violenta. A revolução redime e nos devolve ao passado, quando a
ordem e a autoridade imperavam. Eis a ‘lógica’ histórica do perso-
nagem de Mann, não muito diferente de uma lógica fascista.
O curioso é que a inspiração do autor alemão para criar o perso-
nagem não foi um reacionário ou fascista, e sim Gyorgy Lukács,
filósofo e revolucionário marxista.
A diferença entre eles é que o reacionário olha para trás,
tornando a nostalgia irrefutável. Não é o conservador, mas aquele
que olha para a História como um exilado do tempo. Alguém que
quer parar a História, pois quer voltar no tempo. E assim, busca
vingança contra a mesma História, que ao fluir, transformou o
que era sagrado em profano. O reacionário, portanto, lamenta a
História pelo que ela fez com o passado perfeito. Por isso, no rio da
História, o reacionário não navega, e sim naufraga, como esti-
vesse se afogando. O revolucionário, por sua vez, quer se vingar
da História, não apenas pelo que ela fez com o passado mítico,
mas, também, pelo que ela ainda não fez pelo futuro idealizado.
De
volta de Siracusa: as tiranias de reacionários e revolucionários
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