Desfazer as confusões pd52 | Page 155

iluminados revelaria o caminho ao futuro desde um passado que só o intelectual conhece e reconhece. Por isso, o revolucionário projeta um futuro que é novo e perfeito, mas retorna, paradoxal- mente, a um passado mítico. Por isso também os revolucionários gostam tanto de Rousseau e de seu ‘bom selvagem’. Por isso, ainda, os revolucionários gostam tanto de tiranos, quando não são eles mesmos os próprios déspotas, em suas pequenas rela- ções de poder, travestidos em reis-filósofos. É neste ponto, na busca de um passado mítico que pode retor- nar, sob a égide de um tirano e seus asseclas intelectualizados, na forma de um futuro perfeito, que se encontram os tais donos de ‘mentes imprudentes’ e os reacionários. Tamanha associação se revela em outra obra de Mark Lilla, A mente naufragada: sobre o espírito reacionário (Record, 2018). Nela, numa surpreendente nota de rodapé, Lilla identifica em A montanha mágica, de Thomas Mann, um personagem que resumiria a relação entre o reacioná- rio e o revolucionário: Leo Naphta, personagem do livro de Mann, é um judeu, doente e convertido ao catolicismo (ao ponto de se transformar em padre jesuíta) que, ao longo de sua vida, também dedica grande admiração pelas ideias comunistas. O histrionismo intelectual de Naphta se revela em uma nostal- gia pela Idade Média europeia, pela feroz crítica à modernidade e pela defesa de que a ordem e a autoridade perdidas no mundo moderno só seriam resgatadas por uma revolução radical e violenta. A revolução redime e nos devolve ao passado, quando a ordem e a autoridade imperavam. Eis a ‘lógica’ histórica do perso- nagem de Mann, não muito diferente de uma lógica fascista. O curioso é que a inspiração do autor alemão para criar o perso- nagem não foi um reacionário ou fascista, e sim Gyorgy Lukács, filósofo e revolucionário marxista. A diferença entre eles é que o reacionário olha para trás, tornando a nostalgia irrefutável. Não é o conservador, mas aquele que olha para a História como um exilado do tempo. Alguém que quer parar a História, pois quer voltar no tempo. E assim, busca vingança contra a mesma História, que ao fluir, transformou o que era sagrado em profano. O reacionário, portanto, lamenta a História pelo que ela fez com o passado perfeito. Por isso, no rio da História, o reacionário não navega, e sim naufraga, como esti- vesse se afogando. O revolucionário, por sua vez, quer se vingar da História, não apenas pelo que ela fez com o passado mítico, mas, também, pelo que ela ainda não fez pelo futuro idealizado. De volta de Siracusa: as tiranias de reacionários e revolucionários 144 153