fascinaram e engajaram pensadores sem distinguir suas tendên-
cias políticas e ideológicas e, cada um em sua área, justificar os
mais horrendos crimes do século XX.
Contudo, o que Lilla nos conta não é novidade. O insuspeito
Immanuel Kant já buscava, na segunda metade do século XVIII,
encontrar no despótico Imperador da Prússia, Frederico II, o líder
que transformaria seu reino na morada da liberdade e da razão
esclarecida, acima das paixões e do arcaísmo político. Voltaire,
iluminista francês contemporâneo de Kant, também flertou com
esta combinação.
A experiência vienense, sob a batuta dos Habsburgo, encon-
trou sossego nesta combinação, não muito distante das tentati-
vas, em geral malogradas, de modernização pombalina em Portu-
gal e bourbônica na Espanha dos oitocentos. Seria imperdoável
esquecer, nesse caso, da megalomania napoleônica já nos nove-
centos, em sua combinação entre império e direitos.
O que o historiador norte-americano nos revela, contudo, é o
mecanismo pelo qual esta identificação entre despotismo e inte-
lectualidade se reproduz. Da antiguidade aos horrores do século
XX, o filotirânico (expressão dada por Lilla ao intelectual que
apoia e sustenta o tirano) se ampara na convicção de que sua
paixão e suas pulsões são controladas, ao ponto de servirem ao
engajamento político.
Assim, com um verniz filosófico suficiente para incendiar os
corações dos jovens, mas pouco para dar-lhes o distanciamento
que deveriam ter em relação a sua paixão, sentem-se à vontade,
inclusive em sua pretensa superioridade moral, para sustentar o
tirano. Mais do que isso, crêem, concomitantemente, na transfor-
mação social operada pelo tirano, que imaginam domesticar.
O engano é supor que suas próprias paixões estão controladas e
que, ao enquadrarem o tirano, resolve-se o problema. Nada mais
equivocado. A atração dos intelectuais pelos tiranos está justa-
mente naquilo que são iguais; ou seja, na falta de prudência, em
sua dependência às pulsões e irracionalidade.
Daí que, ao projetarem no tirano a transformação que imagi-
nam forjar um novo mundo e uma sociedade melhor, criam uma
imagem do passado que apenas busca confirmar suas vaidades,
mesmo acreditando que têm a História sob seu domínio. O resul-
tado seria a dupla relação, como um jogo de espelhos, de uma
revolução liderada por um tirano, cuja alma dotada da razão dos
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Vinícius Müller