tese do criminoso, se acolhida, causaria: “todo condutor saberia
que a fuga estaria em suas mãos, bastando que ele acelerasse a
90 milhas por hora, fizesse algumas ultrapassagens proibidas e
furasse alguns sinais vermelhos”. Ele concluiu, assim, que “a
Constituição seguramente não impõe esse convite à impunidade
-obtida-pela-inconsequência”. Convém ressaltar que a hipótese é
manifestamente distinta do caso Garner mencionado antes, pois
naquele o fugitivo estava desarmado.
Trazendo esses raciocínios para o caso da fuga do criminoso
armado com fuzil, não há dúvidas de que a polícia também não
pode deixá-lo escapar livremente, pois o perigo não cessa e se
mantém a possibilidade de cometimento de uma iminente injusta
agressão a terceiros, já que ele permanece portando uma arma
automática. Não se trata de simplesmente deixar um criminoso
desarmado escapar.
V – Cálculo pragmático e o Direito Penal brasileiro
Prever abstratamente na lei situações que a coletividade consi-
dera perigosas, bem como as consequências do cometimento
desses atos, é uma atitude pragmática necessária. Ao publica-
mente antecipar como policiais agirão se flagrarem criminosos
com metralhadoras, Witzel difunde uma política de conduta das
forças de segurança e deixa a coletividade cientificada da gravi-
dade em abstrato daquele ato. Isso atende inclusive ao Princípio 1
da Comissão de Direitos Humanos da ONU, que preceitua que “os
governos e entidades responsáveis pela aplicação da lei deverão
adotar e implementar normas e regulamentos sobre o uso da força
e de armas de fogo pelos responsáveis pela aplicação da lei”.
O cálculo pragmático de já antecipar que certas condutas
sejam criminalizadas, ainda que não produzam um resultado
lesivo em concreto mas que tenham grande potencialidade de
produzir, é algo comum no direito penal. A lei penal tipifica condu-
tas que, mesmo que sem provocar um resultado danoso, pelo
mero perigo abstrato, já são punidas. São os casos do tráfico de
drogas, do porte de armas, da embriaguez ao volante, entre outros.
Em outras situações, o Código Penal antecipa uma presunção
de violência. É o caso do ato de se manter relações sexuais com
menor de 14 anos. Um eventual consentimento do menor é consi-
derado irrelevante justamente porque se presume a violência. Por
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Flávio Jardim