Desfazer as confusões pd52 | Page 138

tese do criminoso, se acolhida, causaria: “todo condutor saberia que a fuga estaria em suas mãos, bastando que ele acelerasse a 90 milhas por hora, fizesse algumas ultrapassagens proibidas e furasse alguns sinais vermelhos”. Ele concluiu, assim, que “a Constituição seguramente não impõe esse convite à impunidade -obtida-pela-inconsequência”. Convém ressaltar que a hipótese é manifestamente distinta do caso Garner mencionado antes, pois naquele o fugitivo estava desarmado. Trazendo esses raciocínios para o caso da fuga do criminoso armado com fuzil, não há dúvidas de que a polícia também não pode deixá-lo escapar livremente, pois o perigo não cessa e se mantém a possibilidade de cometimento de uma iminente injusta agressão a terceiros, já que ele permanece portando uma arma automática. Não se trata de simplesmente deixar um criminoso desarmado escapar. V – Cálculo pragmático e o Direito Penal brasileiro Prever abstratamente na lei situações que a coletividade consi- dera perigosas, bem como as consequências do cometimento desses atos, é uma atitude pragmática necessária. Ao publica- mente antecipar como policiais agirão se flagrarem criminosos com metralhadoras, Witzel difunde uma política de conduta das forças de segurança e deixa a coletividade cientificada da gravi- dade em abstrato daquele ato. Isso atende inclusive ao Princípio 1 da Comissão de Direitos Humanos da ONU, que preceitua que “os governos e entidades responsáveis pela aplicação da lei deverão adotar e implementar normas e regulamentos sobre o uso da força e de armas de fogo pelos responsáveis pela aplicação da lei”. O cálculo pragmático de já antecipar que certas condutas sejam criminalizadas, ainda que não produzam um resultado lesivo em concreto mas que tenham grande potencialidade de produzir, é algo comum no direito penal. A lei penal tipifica condu- tas que, mesmo que sem provocar um resultado danoso, pelo mero perigo abstrato, já são punidas. São os casos do tráfico de drogas, do porte de armas, da embriaguez ao volante, entre outros. Em outras situações, o Código Penal antecipa uma presunção de violência. É o caso do ato de se manter relações sexuais com menor de 14 anos. Um eventual consentimento do menor é consi- derado irrelevante justamente porque se presume a violência. Por 136 Flávio Jardim