fuga do arrombador representava um perigo atual e iminente para
si ou para a comunidade. Esse caso correspondeu à derro- gação
de uma regra histórica da common law, a fleeing felon rule, que
permitia o uso de qualquer força necessária para prender um
suspeito em fuga.
No entanto, nas palavras do justice Antonin Scalia, proferidas
na opinion do caso Scott v. Harris, decidido por 8 votos a 1, em
2007, o teste de Garner não constitui um “mágico interruptor de
liga/desliga que aciona precondições rígidas para o uso de força
letal”. Scalia, que redigiu o voto da maioria, acrescenta que, ao
fim, não há como se escapar do fato de que iremos ter que nos
aventurar no circunstancial “pântano da razoabilidade”. Para fazer
isso, ele observa que devem ser levadas em conta “a natu- reza e a
qualidade da intrusão nos interesses do indivíduo prote- gidos
pela Quarta Emenda em face da importância dos interesses
governamentais que supostamente justificam a intrusão”.
O ponto-chave para a tomada de decisão nesses casos é que,
segundo a Suprema Corte, “a razoabilidade de um uso particular
de força deve ser julgada pela perspectiva de um policial razoável
presente à cena do crime, e não a partir de uma visão 20/20 em
retrospectiva”. Em outras palavras, “o cálculo de razoabilidade
deve levar em conta o fato de que policiais são frequentemente
forçados a fazer julgamentos em frações de segundo – em circuns-
tâncias que são tensas, incertas e rapidamente se alteram – sobre
o nível de força que é necessária em uma situação particular”.
Assim, a maior herança dos julgados da Suprema Corte é
fornecer critérios sobre como o Judiciário deve fazer a “segunda
leitura” das decisões de policiais acerca da necessidade de uso de
força letal, sobretudo porque tais “segundas leituras” geralmente
são efetivadas num momento futuro, (a) com base em informações
mais amplas as quais, muitas vezes, não estavam disponíveis no
momento da ação, e (b) por julgadores que não estavam submeti-
dos às mesmas tensas, incertas e voláteis circunstâncias enfren-
tadas pelos policiais, no momento da tomada de decisão. Daí
menção à impossibilidade de se usar um critério interpretativo
dos fatos de “visão 20/20 em retrospectiva”, isto é, da necessidade
se revisar a conduta de acordo com os elementos cognitivos e com
as tensões do momento da ação, os quais poderiam ser obscuros
na perspectiva do policial no momento da operação e apenas se
tornaram claros no curso do processo. Esse cuidado evita o
chamado “efeito eu sempre soube”, também denominado “viés
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Flávio Jardim