Desfazer as confusões pd52 | Page 134

fuga do arrombador representava um perigo atual e iminente para si ou para a comunidade. Esse caso correspondeu à derro- gação de uma regra histórica da common law, a fleeing felon rule, que permitia o uso de qualquer força necessária para prender um suspeito em fuga. No entanto, nas palavras do justice Antonin Scalia, proferidas na opinion do caso Scott v. Harris, decidido por 8 votos a 1, em 2007, o teste de Garner não constitui um “mágico interruptor de liga/desliga que aciona precondições rígidas para o uso de força letal”. Scalia, que redigiu o voto da maioria, acrescenta que, ao fim, não há como se escapar do fato de que iremos ter que nos aventurar no circunstancial “pântano da razoabilidade”. Para fazer isso, ele observa que devem ser levadas em conta “a natu- reza e a qualidade da intrusão nos interesses do indivíduo prote- gidos pela Quarta Emenda em face da importância dos interesses governamentais que supostamente justificam a intrusão”. O ponto-chave para a tomada de decisão nesses casos é que, segundo a Suprema Corte, “a razoabilidade de um uso particular de força deve ser julgada pela perspectiva de um policial razoável presente à cena do crime, e não a partir de uma visão 20/20 em retrospectiva”. Em outras palavras, “o cálculo de razoabilidade deve levar em conta o fato de que policiais são frequentemente forçados a fazer julgamentos em frações de segundo – em circuns- tâncias que são tensas, incertas e rapidamente se alteram – sobre o nível de força que é necessária em uma situação particular”. Assim, a maior herança dos julgados da Suprema Corte é fornecer critérios sobre como o Judiciário deve fazer a “segunda leitura” das decisões de policiais acerca da necessidade de uso de força letal, sobretudo porque tais “segundas leituras” geralmente são efetivadas num momento futuro, (a) com base em informações mais amplas as quais, muitas vezes, não estavam disponíveis no momento da ação, e (b) por julgadores que não estavam submeti- dos às mesmas tensas, incertas e voláteis circunstâncias enfren- tadas pelos policiais, no momento da tomada de decisão. Daí menção à impossibilidade de se usar um critério interpretativo dos fatos de “visão 20/20 em retrospectiva”, isto é, da necessidade se revisar a conduta de acordo com os elementos cognitivos e com as tensões do momento da ação, os quais poderiam ser obscuros na perspectiva do policial no momento da operação e apenas se tornaram claros no curso do processo. Esse cuidado evita o chamado “efeito eu sempre soube”, também denominado “viés 132 Flávio Jardim