Apesar de montado em um tripé difícil de ser mantido – milita-
res, evangélicos e outros – e com uma equipe marcada pelo despre-
paro, o governo Bolsonaro poderá proporcionar mudanças significa-
tivas no regime político e no Estado, e não necessariamente negativas,
ademais dos retrocessos já anunciados, particularmente nas politi-
cas social e ambiental. Contudo, ele e sua equipe serão incapazes de
fazer as mudanças que os tempos exigem, mudanças radicais na
forma de governar. Farão remendos, alguns de pura pirotecnia.
A vitória eleitoral de Bolsonaro e a sua presença no Governo
Central podem propiciar uma ocasião especial para refazer as
forças ditas progressistas e democráticas. Porém, com uma única
condição: que se despreguem das ideias do passado, das formas
antigas de representação, dos procedimentos formais e gastos de
governar. Sintonizados não com as corporações e segmentos privi-
legiados, mas com a maioria dos subalternos. Que se oponham às
“desigualdades democráticas”, em que o trabalhador formal tem
ticket refeição, auxílio-creche e vale-transporte, e o desempregado
não tem nada. Nem os trabalhadores informais. Parem, portanto,
de refletir apenas os interesses das corporações médias e altas que
controlam o Estado, que vão do capital à elite operária, passando
pelos servidores de altos escalões.
A democracia praticada no século XX está morrendo. Os direi-
tos que definimos no século XIX estão desaparecendo. É preciso
saber quais os novos direitos, e quais as novas formas de governar.
Formas casadas com a cultura da simplicidade e da austeridade,
elementos indispensáveis na construção de uma sociedade saudá-
vel. O mundo não pode ser sustentável com tantas parafernálias
governamentais. Com sistemas decisórios inócuos. Com partidos
como puro meio de ganhar a vida e se enriquecer.
Os partidos ditos de esquerda envelheceram, foram sucumbidos
por ideias antigas, ultrapassadas e afogadas pelo apego aos feitos do
passado. Tiveram a oportunidade da mudança e jogaram no lixo.
Trocaram um projeto de nação por um projeto de poder. O desafio é
entender as mudanças que ocorrem no mundo, e não apenas no
mundo tecnológico, mas também no mundo social, político e cultu-
ral. O desafio é ousar “pensar fora da caixinha”, pensar o impensá-
vel. Sem isso não há renovação, mas simples repetição, na linha do
velho Lampedusa, “algo tem que mudar para que continue tudo
como antes”. Foi o que fez Lula e promete fazer Bolsonaro.
A democracia tem futuro?
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