Desfazer as confusões pd52 | Page 120

Zumbi: dos Palmares e de todo o Brasil Ivan Alves Filho E ntre o final do século XVI e o início do século XVIII, o Estado de Alagoas atual serviu de palco para uma verda- deira epopeia, encarnada pelos combatentes do Quilombo dos Palmares. O que foi essa experiência, exatamente? Ao questionar toda uma estrutura que poderíamos denomi- nar de igualitária, a qual prevalece até meados do século XVI, o colonialismo português abriu a via para a sociedade de classes no Brasil: no lugar das roças indígenas, o latifúndio; no lugar dos homens livres, os escravos. O Quilombo representa, acima de tudo, para os escravos negros, índios, mestiços e brancos pobres – para os que não tinham, enfim, vez nem voz na socie- dade colonial – uma alternativa de vida. De uma vida sem perse- guições nem espoliações. Contrastando com a penúria generalizada na Colônia, prati- camente mergulhada na monocultura do açúcar, sobretudo na faixa do Nordeste atual, existia em Palmares um aparelho produ- tivo capaz de satisfazer não apenas as necessidades materiais dos membros da comunidade, como também gerar um excedente, negociado junto aos vilarejos coloniais vizinhos. Palmares inte- grava, assim, e plenamente, o mercado interno nascente. Essa primeira tentativa concreta de superação da realidade colonial foi finalmente esmagada pelas forças portuguesas e pelas tropas arregimentadas pelos senhores de engenho e escravos de várias capitanias. Essas tropas chegaram a mobilizar cerca de 14 mil homens, pelo que apuramos nos arquivos portugueses. Mesmo modernamente, seria uma operação de guerra considerável. Não obstante isso, a compreensão do que se passou nas flores- tas que se estendiam do Cabo de Santo Agostinho, em Pernam- buco, até ao norte do curso inferior do rio São Francisco, em Alagoas, se revela de extrema importância: o Quilombo dos Palmares logrou construir uma comunidade conduzida com auto- nomia pelos ex-escravos e homens livres que ali nasceram. 118