Zumbi: dos Palmares
e de todo o Brasil
Ivan Alves Filho
E
ntre o final do século XVI e o início do século XVIII, o
Estado de Alagoas atual serviu de palco para uma verda-
deira epopeia, encarnada pelos combatentes do Quilombo
dos Palmares. O que foi essa experiência, exatamente?
Ao questionar toda uma estrutura que poderíamos denomi-
nar de igualitária, a qual prevalece até meados do século XVI, o
colonialismo português abriu a via para a sociedade de classes
no Brasil: no lugar das roças indígenas, o latifúndio; no lugar
dos homens livres, os escravos. O Quilombo representa, acima
de tudo, para os escravos negros, índios, mestiços e brancos
pobres – para os que não tinham, enfim, vez nem voz na socie-
dade colonial – uma alternativa de vida. De uma vida sem perse-
guições nem espoliações.
Contrastando com a penúria generalizada na Colônia, prati-
camente mergulhada na monocultura do açúcar, sobretudo na
faixa do Nordeste atual, existia em Palmares um aparelho produ-
tivo capaz de satisfazer não apenas as necessidades materiais dos
membros da comunidade, como também gerar um excedente,
negociado junto aos vilarejos coloniais vizinhos. Palmares inte-
grava, assim, e plenamente, o mercado interno nascente.
Essa primeira tentativa concreta de superação da realidade
colonial foi finalmente esmagada pelas forças portuguesas e pelas
tropas arregimentadas pelos senhores de engenho e escravos de
várias capitanias. Essas tropas chegaram a mobilizar cerca de 14
mil homens, pelo que apuramos nos arquivos portugueses. Mesmo
modernamente, seria uma operação de guerra considerável.
Não obstante isso, a compreensão do que se passou nas flores-
tas que se estendiam do Cabo de Santo Agostinho, em Pernam-
buco, até ao norte do curso inferior do rio São Francisco, em
Alagoas, se revela de extrema importância: o Quilombo dos
Palmares logrou construir uma comunidade conduzida com auto-
nomia pelos ex-escravos e homens livres que ali nasceram.
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